Mãe, Zé Maria, Teresinha
Quando comecei este blogue, a minha Mãe ainda vivia. Entretanto, a 4 de Março, a Mãe morreu e eu sinto-me muito mais pobre e sozinho, e só agora começo a recuperar da tristeza imensa que me dominou nessa altura. A Mãe faz‑me muita falta. E só agora compreendo como a sua presença iluminou a minha vida – e a dos meus irmãos. Há um certo remorso nesta confissão porque, enquanto foi viva, nem sempre me apercebi disso. Tantas vezes achei maçadoras certas conversas que, hoje, tudo daria para poder retomar. Dela vinha uma enorme ternura, e uma maneira especial de se preocupar connosco, aliada a um amor que nunca exigiu contrapartida. Pude passar com ela as últimas semanas da sua vida – e sei que morreu sabendo que os seus filhos a amavam. E também me conforta a ideia de que não sofreu e que, no próprio dia em que foi para o hospital, embora muito cansada, ainda se arranjou e tomou duche sozinha. Isso era muito importante para ela. Saiu da vida como nela esteve: sem incomodar ninguém. Deixa-nos a saudade, a tristeza e as lágrimas, mas também um imenso orgulho.
Quatro dias depois da Mãe, morreu o Zé Maria, meu sobrinho, filho da Vera e do Zé Maria. Sei que, se ainda estivesse viva, a Mãe teria ficado aflita com a morte do Zé e comungaria da dor que devastou os seus pais, a sua família, os seus amigos. O Zé Maria era um miúdo extraordinário, com uma graça incomparável e uma enorme força de viver que, por exemplo, o levou do Porto a St. Andrews, a Edinburgh, e finalmente a Bordéus, para tirar o curso de «Enologia» com o qual pretendia voltar a casa e começar a trabalhar. Como disse, no enterro, o David, seu primo, andou a reboque dos seus sonhos e estava a ponto de os concretizar. É isso que mais dói: a injustiça de uma vida cortada rente quando se tinha apenas anunciado; quando as promessas apenas se adivinhavam; quando ainda não havia senão esperança. Penso no Zé Maria com uma enorme ternura e uma raiva imensa. Só me apetece dizer «não há direito», mesmo sabendo que esta frase é inadequada e nada resolve. A nós, adultos, faz-nos mal ver chorar os jovens seus irmãos, sua irmã, seus primos, seus amigos: é-nos muito penoso assistir à tristeza dos jovens porque nada, nessa tristeza, é natural. A minha Mãe completou a sua obra de amor e partiu; mas o Zé nem sequer teve essa oportunidade. Penso na Vera e no Zé Maria Pai, e tento acompanhá-los, com a modéstia de quem sabe que só os que passam por estas coisas sabem do que falam quando falam de dor. E penso muito no Zé Sobrinho (ele assinava Zé Mano e Zé Primo quando se dirigia aos irmãos ou aos primos; para mim, assinaria Zé Sobrinho, se se lembrasse disso). Acho que ele vai ficar aqui por perto, mesmo se já não ouvimos aquela sua voz grossa com sotaque do Porto.
A minha neta cresce e está cada vez mais bonita. Tenho pouca prática em matéria de blogues e, por isso, ainda não consegui publicar aqui as fotografias mais recentes, tiradas sempre pela tia Inês (se a tia não existisse, o nosso álbum de fotografias da Teresinha seria muito pobre!). Vou tentar amanhã.
1 Comments:
Eu acho que, se a Mãe deixou esta saudade – e nos largou como que desamparados, nesta infinita tristeza, que, às vezes, até nos surpreende porque, enfim, já somos crescidos e a Mãe tinha setenta e cinco anos – é que a sua vida foi plenamente conseguida. Julgo que, para a Mãe, este era o critério supremo: o nosso amor por ela, espelho do seu amor por nós.
Se o João, o Kiko e eu estamos tão tristes (que as lágrimas se acrescentem «em grande e largo rio» e que a sua ausência nos doa, quase fisicamente), é porque a Mãe esteve sempre presente nas nossas vidas – numa amizade de todos os dias – e que, com a sua morte, perdemos quem nos amava sem quaisquer condições nem exigências e sem sequer exigir contrapartida.
Disse-me, por vezes: «Ainda vão sentir a minha falta». Nem imaginava quanto.
Sim! Eu sei que talvez tenha sido melhor assim, que a Mãe iria ainda sofrer muito, mas não há um dia em que não deseje que ela tivesse ficado connosco, mesmo doente, mesmo numa cama de hospital, apenas para poder dar-lhe um beijinho.
Consola-me apenas que tenha partido sem duvidar do nosso amor por ela. Isso deve ter-lhe facilitado a passagem lá para o outro lado – e constitui o seu reconforto nesse lugar, qualquer que seja, onde está agora.
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