quarta-feira, 26 de abril de 2006

Discurso de Cavaco Silva

O principal problema de Portugal tem a ver com o facto de, crescentemente, uma parte da população portuguesa se ver excluída das prestações sociais que uma sociedade moderna e desenvolvida lhe devia proporcionar. Isto é assim nas áreas cruciais da saúde (e só quem nunca recorreu aos serviços dos hospitais públicos pode duvidar) e educação (onde a perversão do sistema é tal que os mais pobres, nomeadamente se vivem fora de Lisboa, têm que suportar muito mais encargos do que os mais ricos, se quiserem mandar os filhos para as Universidades). O caso dos mais jovens, chegados a um mercado de trabalho rígido e incapaz de lhes oferecer caminhos ou oportunidades, é particularmente difícil. O caso dos velhos também, neste caso agravado pela indignidade de certas pensões de reforma.

Por isso, Cavaco Silva esteve bem ao centrar o seu discurso do 25 de Abril nos problemas da justiça social. Esperava‑se (ou desesperava‑se) do Presidente um discurso centrado sobre os problemas económicos; e muitos comentadores já esfregavam as mãos ao pensar que retomaria as críticas de diversas instituições sobre a política económica do Governo. Cavaco Silva surpreendeu positivamente entrando por caminhos onde não era esperado.

E, claro, logo o «Público» se emocionou, declarando o discurso «um pronunciamento (uf!) quase sem assunto, insignificante». Às vezes, dá‑me vontade de rasgar o «Público».

Em minha opinião, o que faltou no discurso de Cavaco foi uma referência à justiça: não apenas à justiça social mas à justiça «tout court». A situação de verdadeira impossibilidade de acesso à justiça (pela lentidão dos tribunais, pela dificuldade e custo dos processos, pelo labirinto burocrático e processual) em que se encontra uma grande maioria da população portuguesa constitui um dos principais factores de exclusão. Pense‑se no credor de quantias insignificantes, mas importantes no seu orçamento privado; no trabalhador injustamente despedido; no cidadão objecto de violência ou cujos direitos foram desprezados… Onde encontra essa gente solução para os seus problemas? Em lado nenhum porque o sistema judiciário não se encontra preparado para responder, a tempo, a tais preocupações. Gostaria que o Ministro Alberto Costa pensasse nisso: se é que ele pensa em alguma coisa, o que é duvidoso.