La Traviata - Versões
A mais estupenda versão moderna da «Traviata» de Verdi é esta:
Encontra-se disponível em CD e DVD mas comprem, sem hesitar, o DVD porque a encenação, proveniente do Festival de Salzburgo de 2005, é magnífica.
Há outras gravações desta ópera de Verdi que merecem destaque.
A minha preferida, antes desta, era a interpretação de Maria Callas, para mais gravada em Lisboa, em 1958. Passou-se comigo uma história engraçada a propósito desta versão. Uma vez, uma amiga da minha mãe que foi jantar a minha casa disse-me que tinha estado em São Carlos, na noite em que Callas cantou. Em sua opinião, «a Callas» só tinha vindo a Lisboa para mostrar as toilettes novas e as jóias oferecidas por Onassis. Quando pus o disco a tocar, não quis acreditar que estivéssemos a falar da mesma ocasião. Insistiu que Maria Callas se tinha limitado a pavonear-se no palco, como se estivesse num desfile de moda. É verdade que algumas críticas da época vão no mesmo sentido mas quem ouvir o disco sabe que não é assim. Callas é uma Violetta notável: sensível, apaixonada e, ao mesmo tempo, vulnerável. Em matéria de construção da personagem, quase não tem rivais. E mesmo a voz que, nessa altura, já apresentava sinais de declínio, não lhe falhou nessa noite. Para mais, Alfredo Krauss é, simplesmente, o melhor Alfredo possível. Aliás, quem o ouviu, diz que o foi até ao fim da sua vida. (Morreu em 1997, com 70 anos. )
A outra interpretação de Maria Callas, legendária, vem-nos do «Teatro alla Scala» e teve lugar no dia em que nasci, 24 de Maio de 1955, ou quatro dias depois, no dia 28 - nunca consegui confirmar exactamente a data. A única razão porque não a recomendo é porque o som é impossível. Mas que interpretação! Callas estava em melhor saúde vocal e a orquestra foi dirigida por Carlo Maria Giulini com Di Stefano e Bastianini nos restantes principais papéis. Visconti era o encenador. Há quem diga que Maria Callas, quando soube que Visconti era homossexual, deixou de lhe falar. Prefiro pensar que as coisas se passaram de forma diferente.
Se há injustiças no mundo, uma delas é a de não ter tido idade para ouvir Maria Callas ao vivo. Gostava de ter estado em Berlin quando Callas cantou a «Lucia», dirigida por Karajan. Toda a companhia bisa o célebre sexteto, depois de, aliás, Callas se enganar no texto – mas ninguém se preocupou com isso porque ela foi capaz de manter a nota que dá entrada ao tenor, barítono e coro por mais cinco segundos do que em qualquer outra interpretação? É dos raríssimos casos em que, em disco, assistimos a uma «reprise» de toda uma cena.
Outra interpretação da «Traviata» bem conhecida é a de Angela Gheorghiu, que anda nas bocas de todos os críticos, principalmente os ingleses. Pessoalmente, acho que vale principalmente pela direcção de orquestra de Solti. Gheorghiu (que tem um voz magnífica: veja-se um recente disco de heroínas de Puccini, absolutamente extraordinário) exagera: a sua presença é demasiado pesada. Trata-se duma versão em que só a soprano existe. Em minha opinião: «much overrated».
Se a direcção da orquestra constituir o principal critério, recomendo a versão de Carlos Kleiber. Ilena Cotrubas, a sua Violetta, parece-me cansada mas Placido Domingo, nos seus dias de ouro, dá-nos um Alfredo extraordinário. E já há poucos (ou nenhuns) maestros como Carlos Kleiber.
Mas esta nova versão, de Netrebko, Villazon e Hampton, com a Orquestra Filarmónica de Viena dirigida por Carlo Rizzi é «very special indeed». Anna Netrebko, passado o terror do primeiro acto, com o «Sempre libera...», define uma Violetta sensual e moderna, com cenas de um erotismo que não se espera na ópera. Rolando Villazon não se encontra tão à-vontade como em outros papéis recentes mas o seu Alfredo está bem desenhado, tanto nas cenas de amor como das de ira. O seu segundo acto é francamente bom.
Acima de tudo, e no puro plano da voz e da eficácia teatral, temos o Germont de Thomas Hampton. E isto, em si mesmo, é excepcional. Germont é um papel ingrato. Normalmente, os barítonos que o cantam definem uma figura hierática e parada – um pai de opereta, por assim dizer. Com Thomas Hampton, Germont vale por si próprio, como figura para quem a família e a honra constituem valores fundamentais, mas capaz, ao mesmo tempo, de compreender o valor da expiação, e do amor, de Violetta, e de se comover sinceramente diante da sua abnegação. Thomas Hampton define, pela positiva, o paradigma sob o qual passaremos a apreciar os restantes cantores que se lancem neste papel. Só por ele esta versão valeria a pena!
A «mise en scène» resolutamente moderna e despojada contribui também para transformar esta «Traviata» numa ópera em que é possível acreditar. E temos ainda a direcção de actores e guarda-roupa, com o vestido encarnado de Netrebko a invadir a cena! (Por isso, é que é essencial comprar o DVD!) Assim perdoamos tudo o resto: algumas pequenas incorrecções, cansaço das personagens principais, nomeadamente no último acto. Perdoamos, porque esta «Traviatta» nos indica um possível caminho para a ópera dos nossos tempos.
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