Tony Blair - An orderly and dignified exit
Não gosto de Tony Blair (mas já se teriam apercebido depois de olharem para os desenhos que escolhi para ilustrarem este artigo). O homem irrita-me. Acho-o um padreco, cheio de certezas morais e preocupado em dar lições aos outros. Reconheço algumas qualidades ao «New Labour»: a principal, sejamos honestos, parece-me ser a eficácia eleitoral que permitiu pôr termo aos governos conservadores. Mas as suas atitudes em matéria de política externa, e principalmente o seu apoio à intervenção norte-americana no Iraque e a sua recusa em pedir um cessar-fogo imediato no Líbano, repugnam-me. Entendamo-nos: parece-me impossível ser chefe dum partido social-democrata (como, até nova ordem, é o Partido Trabalhista) e alinhar as suas posições em matéria de relações internacionais pelo governo de Georges Bush.
Em política interna, incomoda-me a sua insistência num conceito abstracto de responsabilidade individual, que parte da ideia de que as pessoas dispõem dos seus próprios destinos como se a vida de muitos não fosse tantas vezes ditada, infelizmente, por uma questão de sorte ou azar. Nunca o esqueçamos: duas pessoas idênticas, com a mesma carreira profissional, os mesmos filhos na escola, os mesmos carros, as mesmas hipotecas, podem ver-se, a primeira numa situação desesperada, a segunda a continuar a vida normal, só porque a empresa onde aquela trabalhava fechou e a fez cair no desemprego. A caridade cristã sempre teve em conta esta lotaria do sucesso. Os engenheiros sociais, como Tony Blair, esquecem-na completamente. A sociedade para que falam é uma sociedade de gente que quer subir na vida. Os excluídos da sorte não têm lá lugar.
Por outro lado, algumas das suas propostas concretas, nomeadamente em matéria de luta contra o terrorismo, constituem, para o jurista que sou, um retrocesso fundamental depois de séculos de progresso que permitiram que a maioria dos cidadãos, nos países modernos, gozem de liberdade e segurança e estejam protegidos em relação a atitudes arbitrárias dos governos, da polícia e do sistema judicial e administrativo. Para só dar um exemplo, guardar suspeitos durante noventa dias sem os incriminar é coisa que nem em Portugal, no tempo de Salazar, era legalmente permitido (embora, na prática, se fizesse). É isso que Tony Blair e alguns dos seus amigos querem fazer aprovar por um Parlamento felizmente recalcitrante. Mas por quanto tempo?
E finalmente, os avanços e recuos em torno da sua anunciada saída – «an orderly and dignified exit» que, agora, é bastante confuso e tudo menos digno – ameaçam transformar-se numa tragicomédia de que apenas beneficiará o novo chefe dos conservadores, David Cameron. Tony Blair anunciou antes das últimas eleições que não terminaria o seu segundo mandato; e disse que se demitiria numa altura que permitisse a seu sucessor (que será normalmente Gordon Brown, o seu Ministro das Finanças de sempre) dispor de tempo suficiente para preparar convenientemente as próximas eleições, que terão de realizar-se o mais tardar em 2009. Mas tem-se recusado sempre a fixar uma data, dando a impressão de que está à espera dum pretexto que lhe permita «go on and on», como Margaret Tatcher, e, nos últimos meses, aliados seus têm vindo a lançar pedras no caminho de Brown, dificultando ainda mais uma já árdua transição.
No último fim-de-semana, Tony Blair deu uma entrevista ao «The Times», explicando que, ao contrário do que lhe pediam, não tinha a intenção de indicar uma data para a sua demissão. Tanto bastou para que o partido começasse a explodir. Na quarta-feira, oito membros do governo, secretários ou sub-secretários de Estado, demitiram-se. Duas reuniões com Gordon Brown terminaram, segundo a imprensa, aos gritos dum lado e doutro, com Blair a acusar o seu ministro de duplicidade e chantagem. Hoje, diz-se que o Primeiro-Ministro se comprometerá a sair nos próximos doze meses, mesmo sem fixar data precisa. Mas já é tarde demais. Pessoalmente, surpreender-me-ia muito se Tony Blair aguentasse até ao Natal.
O problema é que ele já só se aconselha com as pessoas que o rodeiam e que só lhe dizem o que quer ouvir. (Parece Guterres nos seus últimos tempos como Primeiro-Ministro, quando toda a gente, excepto ele, sabia que as eleições seriam desastrosas para o Partido Socialista.) Nesta situação, o que podem fazer os membros do Partido Trabalhista? Primeiro, peçam-lhe delicadamente que se vá embora. Mas se, depois disso, ele continuar a não compreender a mensagem, mandem a boa-educação às urtigas e ponham-no na rua.
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