sexta-feira, 13 de junho de 2008

Referendo irlandês - o não!

O que se passará a seguir? A crer em alguns dirigentes europeus e no Presidente da Comissão, nada. O processo de ratificação continuará nos restantes 26 Estados Membros e espera-se que a Irlanda saia sozinha do imbróglio em que se meteu. Diz-se que a sua posição como país no interior da União Europeia terá que ser revista – uma ameaça velada! E acrescenta-se que um só país não pode impedir que os outros sigam o caminho que consideram melhor para si mesmos e para a União Europeia. Para além do mais com taxas de abstenção superiores a 50 ou 60%.

Mas há limites para o autismo dos homens políticos europeus, Sócrates, Sarkozy, Merkel, Junker incluídos. Um só país não pode bloquear a reforma das instituições? Mas dois (França e Holanda) puderam fazê-lo há muito pouco tempo. O embuste intelectual que constitui o Tratado de Lisboa (que só não é em nome e em poucos artigos a Constituição então repudiada) foi desmascarado. O que resta desta triste quinta-feira é o facto de, no único Estado Membro em que se fez um referendo (e fez-se apenas porque, por imposição constitucional, não podia ser evitado), a população tenha recusado o cozinhado laborioso saído das intermináveis reuniões de peritos, burocratas, ministros e chefes de Estado e de governo. Há que parar um momento (pare, escute, olhe) e, sobretudo, interrogar-nos sobre as razões desta rejeição larvar em relação ao projecto europeu que se exprime através destes votos surpresa. Se não o fizermos, e a tempo, corremos o risco de deitar fora o bebé com a água do banho: de transformar um descontentamento real, mas provavelmente inspirado por razões de curto prazo, numa insatisfação generalizada e duradoura. Porque é tempo de dizer que o rei vai nu. Quem duvida que a maioria dos povos europeus teria também dito não ao tratado se tivesse sido chamada a pronunciar-se sobre ele?

De há muito que, pregando no deserto, venho dizendo que não é desta maneira que se faz progredir a construção europeia. À força de se esquecerem que um projecto desta grandeza deve beneficiar do apoio duma parte importante das populações a que se dirige, os governantes europeus correm de fracasso em fracasso. É certo que as razões deste «não», como dos outros, têm pouco a ver com uma rejeição fundamental da união entre os povos da Europa, embora não devamos esquecer que as novas gerações se sentem já muito longe da Segunda Guerra Mundial e que, para elas, o imperativo da paz europeia cede o passo perante preocupações mais imediatas. Mas é por isso mesmo que devemos esforçar-nos por dar resposta às suas inquietações e despertar nelas esse orgulho de contribuir para o mais largo e duradouro espaço de paz e estabilidade conhecido, não só na história europeia mas na do mundo. O que passa certamente por um novo contrato social, que permita dar esperança aos que não a têm e reduzir drasticamente as desigualdades sociais e os fenómenos de pobreza e precaridade. E passa seguramente por não olhar para o lado e assobiar perante as reacções negativas das populações que tentamos convencer.

Os governantes europeus podem desprezar o voto dos irlandeses. Mas a Europa não pode. Sob pena de deixar de existir.