segunda-feira, 2 de outubro de 2006

O Perfume













Saiu há pouco tempo o filme de Tom Tykwer «O Perfume: História de um Assassino», baseado no romance de Patrick Süskind que teve enorme sucesso quando da sua publicação, em 1985. O papel principal, a personagem de Jean-Baptiste Grenouille, é desempenhado por Ben Whishaw (que aparece na fotografia), que é acompanhado, entre muitos outros, por Dustin Hoffman.


A figura ao lado representa, segundo a Google-imagens, Jean-Baptiste Grenouille: acredito sem ficar plenamente convencido. Quanto ao livro, li-o quando saiu e preparo-me para relê-lo agora. Lembro-me que fiquei deslumbrado pela capacidade evocativa de um autor que consegue trazer até nós o cheiro de Paris no século XVIII a ponto de quase nos fazer vomitar. O melhor exemplo vem logo na primeira página:

«Na época de que falamos, reinava nas cidades uma pestilência praticamente inimaginável para os homens modernos que somos. As ruas exalavam odores de estrume, os pátios cheiravam a urina, as escadas cheiravam a madeira húmida e a caganitas de rato, as cozinhas a couve podre e a gordura de carneiro; as salas mal arejadas cheiravam a bolor, mofo e a bafio, os quartos de dormir cheiravam a lençóis gordurosos e a cobertas ensopadas e eram invadidos pelo aroma ácido dos penicos não despejados. As chaminés cuspiam um fedor de enxofre, as cordoarias o fedor dos banhos corrosivos, os matadouros o fedor do sangue coagulado. Das pessoas soltava-se um cheiro nauseabundo, a suor e roupas sujas, as bocas cheiravam a dentes podres, os estômagos a sumo de cebolas e os corpos dos que já não eram jovens cheiravam a queijo decomposto e leite azedo e a tumores eruptivos. Fediam os rios, fediam as praças, fediam as igrejas, cheirava mal debaixo das pontes e nos palácios. Fedia o camponês tal como o padre, fedia o aprendiz como a mulher do seu mestre artesão, a nobreza fedia de alto a baixo, e mesmo o rei fedia como uma fera selvagem, e a rainha como uma cabra velha, no verão e no inverno.»

Com os nossos narizes sensíveis, como teríamos vivido nesse tempo? Como todos os outros, é claro: habituados. Mas, com o nosso conhecimento retrospectivo das coisas, ainda bem que fomos poupados a isso.