sexta-feira, 24 de novembro de 2006

Philippe Noiret – Uma homenagem

Estava em casa, à espera que me passasse a gripe para poder ir amanhã para Paris, quando o telejornal francês me trouxe a notícia da morte de Philippe Noiret. E, confesso (deve ser da febre – ou da idade), deixei-me vencer pela emoção! Não tenho a certeza de que isto seja compreensível para quem não faz parte da minha geração, da geração dum português de cinquenta anos para quem a cultura francesa, e o cinema francês, ainda significavam alguma coisa. Para os mais novos, Philippe Noiret era conhecido sobretudo pelo seu papel em Cinema Paradiso. Mas, para mim, para tantos outros que nasceram mais ou menos na mesma altura, ele foi um dos participantes na Grande Bouffe, com Mastroianni, Tognazzi et Piccoli, e sobretudo com Andréa Ferréol, e sobretudo sob a direcção de Marco Ferreri. O filme foi vaiado em Cannes em 1973 mas, aí como mais tarde em Portugal, na altura em que o pudemos ver, ele soou como um grito de liberdade. Depois (e porque não?) Cinema Paradiso mostra-o no seu amor do cinema, do teatro, da arte de representar. Muitos dos jovens da idade das minhas filhas mais velhas despertaram para o cinema através desse filme em que se celebra o encanto, a magia, da sétima arte - sétima arte era o nome do cinema, nessa altura. Que melhor testamento podia ele desejar, actor e cavalheiro? Era um senhor, no palco, no ecrã e na vida. Era um homem elegante que associo, sem saber porquê, ao discreto charme da burguesia (mesmo se não ignoro que foi Fernando Rey o actor de Buñuel), e que, nessa elegância e nesse encanto, não escondia a angústia e o remorso dos personagens que representava.

Jean Rochefort, amigo de cinquenta anos, soube encontrar as palavras adequadas para contar como, cinco dias antes da sua morte, lhe perguntou se tinha medo. «C’est déjà emmerdant comme ça», respondeu-lhe Noiret. «Alors, si tu y ajoutes la peur»... E ali ficaram, de mãos dadas, até que entrou um jovem médico que os viu assim e sorriu.

Provavelmente, esta incredulidade que me assalta tem a ver com o facto de, na Grande Bouffe, ele ser o sobrevivente: e de eu pensar por isso que seria imortal. E provavelmente (gosto de pensá-lo), este desgosto que sinto seria a homenagem que ele desejaria: a homenagem de quem apenas o conhecia pelos seus filmes e pela sua carreira de actor. A sua morte doeu-me muito. Muito mesmo. Sinal de velhice? Talvez. Mas ele também envelhecera. Mesmo assim, faz-me falta.