sábado, 4 de novembro de 2006

Minhana - e breve digressão pelas férias covilhanenses

Logo nas primeiras páginas da biografia de D. Sancho I, escrita por Maria João Violante Branco e publicada pelo Círculo de Leitores (numa iniciativa editorial – a publicação das biografias de todos os reis de Portugal – que deveria ser suficiente para atribuir a esta casa editora uma condecoração por serviços prestados), encontrei uma referência à Minhana D. Teresa Afonso, segunda mulher e viúva do famosíssimo Egas Moniz (de Riba Douro), a quem foi confiada a educação («criação» é o termo utilizado por Violante Branco, no sentido de educação e sustento) do infante Sancho.

Há muito que não encontrava a palavra «minhana». Mas, para quem frequentou a escola Avé-Maria, se bem que por pouco tempo porque os meus pais partiram para o Funchal quando eu tinha seis anos e só voltámos a Lisboa depois de terminada a minha instrução primária, este nome não pode deixar de despertar emocionadas recordações. (Que serão ainda maiores no caso do meu irmão Francisco, que lá estudou até ao antigo segundo ano do liceu.)

Acresce que a Minhana, como todos a chamavam, fundadora da Escola em 1945 e sua directora até à sua morte (de que não consegui descobrir a data exacta mas que penso ter sido posterior à minha vinda para Bruxelas, em 1986), era prima direita da minha avó. Com efeito, o seu nome era Maria Alexandra Ranito de Almeida Eusébio (a minha avó chamava-se Maria Helena Ranito Pessoa.) Eram ambas netas do velho Ranito, de que tantas vezes ouvi falar, nestes precisos termos, e de que conheci a casa mas sobre quem, para além disso, nada sei. Tantas vezes, nas minhas férias na Covilhã, entre 10 de Junho (fim das aulas) até que acabava a Feira de São João, visitei o seu irmão, o primo José de Almeida Eusébio, e convivi com os seus filhos que depois reencontrei em Lisboa, em casa de António Alçada Baptista, o António Alfredo de que me falavam os meus pais, ainda debaixo do encantamento provocado pelo extraordinário talento de contador de histórias que nunca perdeu e que foi por eles primeiro experimentado nos serões das Penhas da Saúde, no Verão, em casa do tio Chico Cruz, casado com uma irmã do meu avô, a tia Lucinda (que ficava mesmo em frente deste hotel.) Ligados aos Almeida Eusébio, estavam os Fiadeiros e, mais tarde, os Mesquitas (entre Fiadeiros e Mesquitas houve vários casamentos cruzados mas, nessa altura, depois da morte da avó, já eu me tinha afastado da Covilhã), e todos eles foram meus companheiros dessas férias covilhanenses. A verdade é que aprendi a nadar na piscina que os Mesquitas tinham construído na sua fábrica: a «Cristiano Cabral Nunes e Co. Lda.» Os Mesquita viviam no rés-do-chão e cave (com um magnífico terraço onde, às vezes, jogávamos futebol) do prédio de que a minha avó ocupava o primeiro e segundo andares, e onde instalara a Residencial Costa, que abrira depois da morte do marido. Esta casa que a avó arrendara ao seu irmão António (Ranito Pessoa) e, por morte deste, à sua cunhada, a tia Maria Helena (Maria Helena era nome muito frequente na minha família) tinha, por isso, por não lhe pertencer, escapado ao arresto dos bens consecutivo à falência do avô Costa. O segundo andar, composto de salas e quartos com as paredes inclinadas em forma de águas-furtadas, correspondia aos aposentos familiares, embora os meus tios e os meus pais, quando iam à Covilhã, ocupassem no andar de baixo quartos em princípio destinados aos hóspedes. Os meus pais, por exemplo, ficavam sempre no quarto nº 5 (e foi nesse quarto que o Pai morreu). Era nas varandas desse último andar, e principalmente no telhado que ia duma a outra fachada, a primeira dando para a Igreja de Santiago, a segunda par o vale, com uma vista que se prolongava até à Serra de Alpedrinha, que eu me passeava sem que ninguém desconfiasse, escapando-me pelas janelas que davam para os estreitos beirais, às escondidas da avó e das criadas. Passados muitos anos, quando voltei a uma casa que infelizmente já nada tinha da casa em que vivera, e ao olhar para esses beirais, meros patamares inclinados, com menos de um metro de largura e com os seus tijolos alaranjados a mais de trinta ou quarenta metros da rua, apanhei o maior susto retrospectivo de toda a minha vida.

Não conhecia o verdadeiro sentido da palavra «minhana», que encarei apressadamente como uma alcunha sem particular significado. Mas a referência de Violante Branco levou-me a procurá-lo. E, com efeito, existiu no antigo galaico-português a forma miona usada como título honorífico dado às senhoras que, por nascimento ou casamento, pertenciam à mais alta nobreza. Esta forma miona, que resulta (como madame ou madonna) da aglutinação do pronome possessivo feminino da primeira pessoa e do substantivo latino domina, foi pouco frequente, tendo sido (segundo Clarinda de Azevedo Maia, da Universidade de Coimbra, in «Ona. Um arcaísmo galaico-português») possivelmente «deslocada pelas formas secundárias delas resultantes meana, miana e minhana.» (Assim, este artigo constitui também um piscar de olhos à Miana, que visita este blogue com alguma frequência e cá deixa os seus comentários).

Enfim, uma digressão que me permitiu voltar, por uns breves momentos, ao um tempo em que «eu era feliz e ninguém estava morto», como diz Álvaro de Campos, no seu poema que parece descrever-me: «Aniversário».

1 Comments:

Anonymous Paulo Ranito said...

Caros Senhores,

O meu nome é Paulo Ranito e tenho vindo a tentar traçar a história do apelido Ranito. O Vosso blogue foi-me indicado como tendo referências a esse apelido, pelo que gostaria, se possível, de ser contactado pelos senhores de forma a que possamos trocar algumas informações. o meu e-mail é pauloranito@gmail.com

Obrigado desde já,

Paulo Ranito

02 novembro, 2011 14:38  

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