segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Perdão de dívida no BCP - Nós e os outros

A história do perdão, pelo BCP, de uma dívida de alguns milhões de euros (uns dizem doze, outros quinze) ao filho de Jardim Gonçalves deixa-me enojado. Portugal é um país onde as elites, políticas, económicas ou intelectuais, perderam toda a vergonha. Um crédito concedido ao filho do antigo Presidente do Conselho de Administração e actual Presidente do Conselho de Supervisão do banco, sem garantias reais ou pessoais, é perdoado por se ter verificado impossibilidade de cobrança. O pai afirma nada saber de tais negócios do filho, nem sequer para o ajudar, como bem realçou Marcelo Rebelo de Sousa que, com alguma ironia, afirmou que, se o caso se tivesse passado consigo, teria passado noites sem dormir à procura de solução. O conselho de administração diz que «é tudo normal», que esta é a prática seguida em relação a devedores em dificuldades financeiras, como se os bancos trabalhassem assim, quer na concessão de crédito, quer na sua cobrança (e ainda bem que isso não acontece porque senão seriam os nossos depósitos que ficavam em risco).

Insurjo-me particularmente contra esta «justificação» do conselho de administração, mentirosa, hipócrita, altaneira, numa atitude que demonstra desplante e descaramento e, sobretudo, um inqualificável desdém e desprezo pelos milhares de devedores do banco que foram objecto de penhora de salários e ordenados ou, às vezes, das casas onde viviam, e condenados a uma vida de enormes dificuldades, porque o banco não adoptou, relativamente a eles, esta atitude leniente. Num caso que me é próximo, nenhum perdão, nenhuma consolação, foi dado ao devedor, empresário a quem os negócios correram mal e que, mesmo para actividades ligadas à empresa, só conseguia crédito se prestasse hipotecas e avales pessoais, seus e da sua mulher.

O que aflige é esta dualidade de critérios, esta atitude de «nós fazemos porque podemos; os outros que se lixem». Isto não augura nada de bom para as empresas portuguesas, grandes ou pequenas, dirigidas por gente desta espécie. Por isso, quando me vêm falar das elites portuguesas, só me apetece dar uma enorme gargalhada.