Vasco Pulido Valente e Dom José Policarpo
O artigo de Vasco Pulido Valente, no Público de hoje, sobre as recentes e polémicas declarações de Dom José Policarpo a respeito dos casamentos entre católicos e muçulmanos, apresenta algumas considerações interessantes. Deixo de lado a sua observação de que um «casamento entre uma católica e um muçulmano é mesmo em bom rigor impossível, excepto, se um ou outro se converterem, hipótese em que, evidentemente, já não se trataria de um casamento entre uma católica e um muçulmano.» Não consegui encontrar, no pouco tempo disponível que tive, as regras do Direito Canónico sobre esta questão. Mas atrevo-me a pensar, contudo, que, se o casamento dum(a) católico(a) com uma pessoa de confissão diferente só é possível se esta última se não opuser à educação católica dos filhos, os obstáculos a esta união sejam praticamente insuperáveis.
Mas este não é o problema mais importante levantado por Vasco Pulido Valente.
Com efeito, ele nota, como eu fiz, que existe nesta polémica um problema que vai para além do problema religioso. Trata-se, nas suas palavras, dum «problema social, que só em parte deriva da religião: o problema da mulher nos países muçulmanos.» E, para além de referir que a situação não é a mesma em todos os países muçulmanos, como não é a mesma em todos os países católicos, acrescenta: «O que manifestamente perturba o Senhor Cardeal é a subordinação da mulher ao homem e a sua inferioridade (que roça o ontológico) no mundo islâmico, como, aliás, durante dois milénios sucedeu no mundo que a Igreja de Roma governava.» Esta última observação parece-me pertinente e corresponde ao que tenho vindo a dizer de há muito tempo para cá: o que criticamos hoje, com razão, no islamismo, não são mais do que aspectos que a Igreja Católica praticou ao longo de séculos e séculos. E, se a chamada civilização ocidental (termo algo difícil de definir porque, como dizia Ghandi, se tratava duma boa ideia, se tivesse realmente existido) progrediu, baseada em valores de tolerância e liberdade, fê-lo contra os ensinamentos e pronunciamentos de Roma, que culminaram com essa aberração que foi o dogma da infalibilidade papal (Concílio Vaticano I, 1870), e contra a sua oposição militante, nomeadamente durante os séculos XVIII e XIX, a todas as formas de «modernismo». Podemos esperar que os muçulmanos evoluam no mesmo sentido positivo – desde que os não acantonemos num círculo vicioso alimentada pela violência externa (Israel em Gaza, Estados Unidos no Iraque, mas não só) e pela miséria interna.
Por outro lado, ver um católico a criticar os muçulmanos por acharem que têm verdade «única» e a verdade «toda», como aqueles de quem o patriarca se queixa, é como ver (utilizando a linguagem imagética de Dom José Policarpo) dois lobos a criticarem-se um ao outro por gostarem de comer carneiros. As religiões e, principalmente, as religiões monoteístas, têm necessariamente esta aspiração universal. Se não a tivessem, não seriam religiões (e esse é talvez um bom argumento para adoptarmos uma forma de ateísmo não necessariamente militante.) Mas, nisto, a religião católica não se distingue da muçulmana. Seria bom que não nos esquecêssemos disso.
1 Comments:
Eu que sou uma pessoa tolerante e q acho q cada ser humano pode acreditar nos deuses q quiser, e adorar quem lhe aprover, desde q não queira impor aos outros, crenças e credos, começo a ficar preocupada com os tempos q vivemos, em que não se pode dizer livremente o q pensamos. ài, Ài que não é politicamente correcto. Don José Policarpo tem a minha solidariedade.
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