Sarkozy e os fuzilados da Guerra de 1914/1918
É raro que Sarkozy consiga surpreender-me – no bom sentido. Mas confesso que foi isso que hoje aconteceu.
No seu discurso comemorativo do Armistício de 11 de Novembro, o Presidente francês proferiu estas palavras a respeito dos soldados condenados pelos tribunais militares da época e fuzilados:
«Je penserai à cette jeunesse qui n'ira plus mourir en masse sur les champs de bataille. (...) Je penserai à ces hommes dont on avait trop exigé, qu'on avait trop exposés, que parfois des fautes de commandement avaient envoyés au massacre et qui un jour n'ont plus eu la force de se battre.» E acrescentou:
«Cette guerre totale excluait toute indulgence, toute faiblesse. Mais 90 ans après la fin de la guerre, je veux dire au nom de la Nation que beaucoup de ceux qui furent exécutés alors ne s'étaient pas déshonorés, n'avaient pas été des lâches, mais que simplement ils étaient allés jusqu'à l'extrême limite de leurs forces. Souvenons nous qu'ils étaient des hommes comme nous (...) qu'ils auraient pu être nos enfants (...) qu'ils furent aussi les victimes d'une fatalité qui dévora tant d'hommes qui n'étaient pas préparés à une telle épreuve. Mais qui l'aurait pu l'être?»
Já em 1998, Lionel Jospin, então Primeiro-Ministro, tinha sugerido a reabilitação dos quase 700 soldados fuzilados. As palavras de Sarkozy constituem o reconhecimento duma profunda injustiça face a esses homens cuja culpa foi a de não terem conseguido resistir ao choque duma experiência para a qual (e recordemos que, na sua esmagadora maioria, tinham menos ou pouco mais de 20 anos) não estavam, nem podiam estar, preparados. A guerra das trincheiras foi duma crueldade inimaginável. Os soldados passavam a maioria do seu tempo nessas galerias cavadas no solo, numa promiscuidade insuportável e em horrorosas condições de higiene. De tempos a tempos, recebiam ordem de sair de tais buracos para se oferecerem aos tiros de artilharia do exército inimigo. A maioria morria nos primeiros metros dessas corridas destinadas a ganhar alguns metros na frente da batalha ou a adquirir novas e às vezes imaginárias posições. Nunca a expressão «carne para canhão» correspondeu de tão perto à terrível realidade. Em Verdun, para só dar um exemplo, em apenas dez meses de batalha, morreram 378 mil franceses e 337 mil alemães. Mais de duas mil pessoas por dia!
Desses jovens, os 675 que não conseguiram resistir à pressão psicológica que a guerra lhe infligiu, e que afinal não passavam de pobres peões nos exercícios detestáveis dos Estados Maiores, foram arbitrariamente condenados por tribunais de guerra (para exemplo!) e fuzilados. Foram assim maltratados pela terra por que deram a vida.
O discurso de Sarkozy honra o homem que o proferiu – e sobretudo restitui a honra àqueles que, durante tanto tempo, foram considerados traidores ou desertores.
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