sexta-feira, 2 de fevereiro de 2007

Grande Entrevista de ontem - Alexandre Quintanilha

Normalmente, não tenho paciência para assistir à «Grande Entrevista» de Judite de Sousa mas ontem abri uma excepção – parcial porque apenas lá cheguei a meio do programa, na sequência de um «zapping» solitário (crianças fora de casa, pouca paciência para as minhas leituras). O entrevistado era Alexandre Quintanilha. Conheci-o fugazmente quando trabalhei em Lisboa, no Ministério da Ciência e Tecnologia. Gostei das suas palavras sensatas, ponderadas e, sobretudo, moderadas, a propósito do referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez. É reconfortante encontrar em Portugal uma pessoa que não tenha, sobre este tema controverso, certezas absolutas e tonitruantes. À pergunta principal de Judite de Sousa, Alexandre Quintanilha respondeu sem rodeios: é claro que há vida a partir do momento da concepção, como é claro que há, até, vida mesmo antes desse momento. Nenhuma célula que hoje conhecemos deixa de ser, ou o resultado da divisão de células preexistentes ou o resultado da sua combinação. Mas essa constatação não permite resolver qualquer problema que seja porque há uma enorme diferença entre o feto de três ou quatro semanas e um indivíduo adulto, ou mesmo um bebé acabado de nascer. O feto não tem autonomia e, durante algum tempo, os sistemas neuronais ainda não estão desenvolvidos. Assim, uma coisa é saber se há vida (há!), outra coisa é saber a partir de que momento o embrião se pode considerar como pessoa e, como tal, beneficiar da protecção jurídica a ela atribuída. Não somente para a lei (nos meus tempos de estudante em direito, opunham-se os direitos dos concepturos – aqueles que ainda não tinham sido concebidos – aos dos nascituros – os concebidos que ainda não tinham nascido – e os destes aos das pessoas jurídicas singulares: a personalidade jurídica completa apenas começava com o nascimento) mas até – e ainda bem que Alexandre Quintanilha o relembrou –, e durante muito tempo, para a Igreja. Santo Agostinho e São Tomás discutiram a questão de saber qual o momento em que a alma entrava no corpo; e acrescente-se que, nessas reflexões, nem um nem outro propunham a data da concepção para esse acontecimento que determinava a qualidade de membro da espécie humana. E não se esqueça que, antes do baptismo, as almas não iam para o céu ou inferno mas para o limbo, porque a criança não baptizada era, para a Igreja, de certa forma incompleta: não tinha ainda sido tocada pela graça de Deus. Assim, recorrer ao argumento do início da vida é, neste contexto, quer para o que a afirmam, quer para o que a contestam, um forma cómoda de evitar discutir a questão essencial de saber qual é a nossa decisão, enquanto mulheres e homens, sobre este problema moral e social. Por isso mesmo é que, como também referiu Alexandre Quintanilha, nem a ciência nem a religião têm algo de fundamental a acrescentar ao debate sobre a interrupção voluntária da gravidez: esta é uma questão que os homens devem resolver em obediência aos valores que professam, e sobretudo mantendo uma atitude de retraimento porque, nestas como noutras matérias, o pior é pensarmos que temos resposta para tudo.

Se pudéssemos todos discutir estas questões com a elevação de Alexandre Quintanilha (e a sua modéstia intelectual não deve ser confundida com menor firmeza na defesa da sua posição, claramente favorável ao sim), o referendo seria seguramente recebidos com menos acrimónia, fosse qual fosse o seu resultado.

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Também vi a entrevista ao Alexandre
Quintanilha e gostei imenso da simplicidade e simpatia daquele homem. E sobretudo, como o Zé Pedro refere, do facto de não ter certezas absolutas sobre o assunto.
Se no último referendo eu estava absolutamente convicta do que sentia, acho que nunca me senti tão dividida como agora. Já lá vai o tempo em que as minhas convicções eram tão firmes e acho que precisavamos de mais pessoas como ele a falar em público sobre a IGV e menos de arrogantes quer pelo não quer pelo sim.

03 fevereiro, 2007 21:40  

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