Pedro Caldeira Cabral em Bruxelas - Guitarra Portuguesa à l'honneur

Seja como for, ainda bem que não consegui encontrar desculpa que não fosse esfarrapada quando a Vanda me convenceu a acompanhá-la ao concerto que Pedro Caldeira Cabral

Tratou-se dum espectáculo inesquecível e não por qualquer efeito mediático ou de publicidade mas apenas pela sua formidável qualidade. O programa foi desenhado com notável inteligência. Tratava-se, em primeiro lugar, de ilustrar a história do fado através das músicas compostas pelos mais célebres guitarristas portugueses. Como disse Pedro Caldeira Cabral, o fado é actualmente associado, de forma quase exclusiva, ao canto, e os seus protagonistas mais conhecidos são as fadistas e os fadistas (Amália, em particular e, tratando-se de canto, com toda a razão). Mas eram os guitarristas, os cultores da guitarra portuguesa, que, em tempos passados, ensinavam as canções e as formas de cantar, era através deles que se transmitia a memória do fado, eram eles os guardiães da tradição.

A primeira parte do concerto, que começou com uma obra anónima que é a mais antiga música de fado de de que há registo escrito, é dedicada a guitarristas célebres, cujas obras são interpretadas com mestria por Pedro Caldeira Cabral. Luís Carlos da Silva “Petroline”, celebre guitarrista dos finais do século XIX e princípios do século XX, que cantou para o Czar e para o Rei de Portugal e Reinaldo Varela, autor de um célebre método de estudar e tocar a guitarra portuguesa, são exemplos de guitarristas de Lisboa. Com Anthero da Veiga e Gonçalo e Artur Paredes, estes últimos fazendo parte duma família de guitarristas que viria a terminar com o grande Carlos Paredes, passamos ao estilo de Coimbra. Voltamos a Lisboa com Armando Freire “Armandinho”, para cuja redescoberta na década de 80, Caldeira Cabral contribuiu decisivamente, e José Nunes, amador, empregado na EDP, acompanhador de Amália e considerado por esta como o melhor de todos os seus acompanhadores. Referência especial mereceu também a família Grácio, construtores de guitarras que fabricaram para Artur Paredes e a Armandinho novas guitarras que incorporavam alterações técnicas inovadoras que ainda hoje perduram.

Mas o principal trunfo e motivo de regozijo desta soirée foi, sem sombra de dúvida, o próprio artista. Sente-se em Pedro Caldeira Cabral um profundo respeito pela tradição que representa e é patente, a cada momento, o seu sincero orgulho em ser o continuador de uma notável linhagem de cultores da guitarra portuguesa. Ao mesmo tempo, Caldeira Cabral é um daqueles (poucos) homens que, íntimo conhecedor dos temas que apresenta, não precisa de levantar a voz para ser ouvido: nele destaca-se uma grande e comunicativa simpatia e uma humildade que é pouco habitual encontrar nestes tempos em que a superficialidade impera. Nada disso, nem a sua cultura ou inteligência, nem o seu sucesso, o impede de demonstrar um discreto sentido de humor, como sinal de que não se dá demasiada importância. O que disse de Carlos Paredes, com quem partilhou, durante anos, o mesmo acompanhador (Fernando Alvim) e, particularmente, as suas palavras sobre a sua doença, foi comovente sem ser lamechas. A descrição que fez das diferentes festas populares ligadas aos Baile dos Caretos, de Trás-os-Montes, deixou-nos a todos um sorriso nos lábios. Já quando o vi na televisão, há alguns meses, num programa dedicado à história da guitarra portuguesa, tinha ficado impressionado com este misto de cultura e modéstia que nos apresentava. Agora, fiquei entusiasmado. E vou repensar esta minha mania de ficar em casa – pelo menos quando se tratar de ir assistir a espectáculos como este.
1 Comments:
Excelente resumo e "debriefing" de um espectaculo de grande qualidade. Faço minhas as suas palavras. Ainda bem que veio!
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