terça-feira, 20 de maio de 2008

A independência da Catalunha

Nos escritórios do Público causaram viva emoção as recentes declarações do líder nacionalista catalão Josep-Lluís Carod Rovira, sobre uma possível independência da Catalunha. Ontem, José Manuel Fernandes afirmou, a propósito do pobre senhor, que ele dissera «um conjunto de disparates», que era, «para desgraça dos catalães», número dois do respectivo governo regional e que, «apesar de ladrar, já tem poucos dentes». Hoje, Helena Matos afiança que o «seu ar de Pai Natal e algumas intervenções desastradas podem levar a pensar que a criatura é uma espécie de patusco». E acrescenta que é uma pena que Rovira «não dance sevilhanas, pois sempre passávamos melhor o tempo». (Já agora, porquê sevilhanas? Helena Matos ignorará que Sevilha é a capital da Andaluzia?)

Ora, a mim não me preocupa especialmente a questão da independência da Catalunha. Acho, sobretudo, que é um assunto a ser discutido pelos catalães e pelos espanhóis (ou castelhanos). Mas também que é um debate que tem algum sentido. Historicamente, a Catalunha apenas foi definitivamente integrada na Espanha em 1714 (embora, com o casamento dos Reis Católicos, se tenha assistido a uma união das coroas de Castela e Aragão, reino este onde se integrava, mas com estatuto próprio, o antigo condado de Barcelona). Ao contrário do que pretende José Manuel Fernandes, para os catalães, não foi um mero acidente histórico que o governo de Madrid tenha decidido, em 1640, esmagar a revolta independentista na Catalunha e tenha assim dado aos portugueses a possibilidade de organizarem a sua defesa: para eles, foi uma fatalidade! Que diríamos nós hoje se a decisão de Olivares tivesse sido a oposta? Certos historiadores atribuem, aliás, o declínio da Catalunha que, é bom não esquecer, só terminou com o fim do franquismo, à sua dependência relativamente à política centralista de Madrid: como diz José Manuel Fernandes, mas sem pesar as consequências, Barcelona era, até certa altura, uma cidade virada mais para a Europa do que para Castela. Muitos catalães estão de acordo e foi isso que, pelo menos desde o final do século XIX, deu origem a um movimento independentista com largas raízes populares. Com a instauração da democracia, os catalães conseguiram, como outras nações tradicionais que formam a Espanha moderna, um estatuto de autonomia claro no interior do Estado. Tudo isto são razões que justificam que a questão da independência possa e deva ser discutida. Até pode acontecer que os catalães acabem por decidir manter-se ligados a Castela (Espanha). Quem sabe?

O que não vale a pena é disparar sobre o mensageiro. O nível de insulto que o director e a colaboradora do Público utilizaram para falar de Rovira é perfeitamente descabido. E alguns argumentos são de bradar aos céus. José Manuel Fernandes diz que o recente atraso de Barcelona em relação a Madrid (afirmação que é, aliás, contestável e, mesmo que verdadeira, pode não passar de mero acidente de conjuntura) tem a ver, entre outras razões, com a decisão dos catalães de «impor uma língua falada apenas num pequeno canto do mundo, o catalão, contra o castelhano, segunda língua franca da humanidade». Ora, que eu saiba, o espanhol ainda se aprende nas escolas e liceus da Catalunha e, de qualquer maneira, é estranho vir criticar a adopção da língua tradicional duma região ou dum país com meros argumentos tecnocráticos. Aliás, trata-se duma decisão que pertence de direito aos catalães. E não é verdade que, a propósito doutras matérias, se apoia o multilinguismo como essencial ao progresso e à legitimidade da União Europeia?

Agora, repare-se que o argumento pode também aplicar-se a Portugal – será que José Manuel Fernandes considera que a via para o nosso desenvolvimento depende de passarmos todos a falar espanhol ou, já agora, porque não, passando directamente à primeira língua franca da humanidade (JMF dixit) inglês? Moçambique já pensou nisso – e nessa altura, cá em Portugal, sentimos uma forte comoção…

A verdade é que as fronteiras actuais da Europa foram, em termos históricos, desenhadas há muito pouco tempo: algumas, no século XIX; a maior parte já no século XX, quer depois da primeira e segunda guerras mundiais, quer depois da queda do comunismo. Na Bélgica, onde vivo, o debate entre valões e flamengos também tem atingido proporções de grande dureza e nada garante que o país consiga manter-se unido. Na Escócia, os nacionalistas governam desde há dois anos e o governo mantém uma grande popularidade muito embora as sondagens indiquem que não há uma maioria em favor da independência. Assistimos, ainda há pouco, e com que custo humano, ao desmembramento da Jugoslávia, um país puramente artificial, criado pelo Tratado de Versailles. Estas questões, digam o que disserem José Manuel Fernandes e Helena Matos, vão colocar-se na discussão política europeia. Arranjar uma maneira de lhes dar solução não passa certamente por insultos àqueles que não pensam como nós.

9 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Segundo os viriatos.. perdao, os "jornalistas" do Público, o vicepresidente da Catalunha, Josep-Lluís Carod Rovira, deve deixar de ladrar. Recomendam-lhe tentar dançar sevilhanas como um palhaço. Porém, eles nao sao os únicos agudos analistas de política européia a manterem essa interessante e informada opiniao, nem os primeiros, tal como demonstra mais uma vez a desconhecida história do nosso velho continente:

"Catalán, no ladres, habla la Lengua del Imperio!"

(Cartaz das tropas fascistas espanholas de ocupacao. Barcelona, anos 40)

20 maio, 2008 18:45  
Anonymous Anónimo said...

El gran César Vidal, La Linterna, Cadena Cope, aborda, con su sabiduría, el tema de las polémicas declaraciones del polémico Pérez Carod.

20 maio, 2008 21:23  
Blogger José Pedro Pessoa e Costa said...

Eu nem sabia que os fascistas tinham dito tais coisas. Mas isso só prova como há tanta gente enganada... ou disparatada.

20 maio, 2008 23:05  
Anonymous Anónimo said...

achei este teu post particularmente interessante (quando estava em Lisboa o assunto de em 1640 o rei espanhol ter considerado a Catalunha mais importante que Portugal foi motivo de conversa durante um jantar com amigos), mas se me permites gostava de levantar uma questão: porque é que continuas a ler esse jornal? As intervencões do JMF têm sido verdadeiramente miseráveis - e ele é o responsável editorial, não? A única coisa que o jornal tem de bom é o suplemento Inimigo Público, mas mesmo esse não é capaz de rir de si próprio...

26 maio, 2008 11:03  
Anonymous Anónimo said...

Ora aqui está uma opinião interessante. A ignorância sobre as questões da língua é gritante em Portugal. Esquecem a definição fundamental e profundamente verdadeira de que a única, histórica e factual diferença entre uma língua e um dialecto, é que aquela tem um exército por trás e esta não.

Nesse sentido, propor a um catalão, a um basco ou a um galego, "esqueçam a vossa língua, ou diminuam-na, face a uma outra que não é a do berço", é considerar que o mundo se rege unicamente por questões económicas. Ou seja, não entendem nada de nada.

03 junho, 2008 18:09  
Anonymous Anónimo said...

Chegou o Quim.......!

03 junho, 2008 19:07  
Anonymous Anónimo said...

¡Viva San Fuencisla!

04 junho, 2008 12:49  
Anonymous Anónimo said...

É, porém, paradoxal que "jornalistas" portugueses atinjam esse grau tão extremo de ignorância...mesmo no que diz respeito a eles próprios.

Não deveria ser segredo nenhum para profissionais da informação que a poderosa direita espanhola nunca considerou a língua portuguesa em termos de verdadeira igualdade com a espanhola. Infelizmente, demasiados nacionalistas espanhois ainda pensam e as vezes até falam em "gallegos irredentos".

Nos media espanhóis o mundo lusofone simplesmente não existe, como também não são visíveis as outras línguas e culturas da península ibérica. É triste constatar que alguns portugueses propõem ao seu "Público" este mesmo "imaginário coletivo" que tem cheiro de ditadura isolacionista

04 junho, 2008 22:13  
Anonymous Anónimo said...

Sr. Fernandes, Homem culto e sabio

04 junho, 2008 22:48  

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