A independência da Catalunha
Nos escritórios do Público causaram viva emoção as recentes declarações do líder nacionalista catalão Josep-Lluís Carod Rovira, sobre uma possível independência da Catalunha. Ontem, José Manuel Fernandes afirmou, a propósito do pobre senhor, que ele dissera «um conjunto de disparates», que era, «para desgraça dos catalães», número dois do respectivo governo regional e que, «apesar de ladrar, já tem poucos dentes». Hoje, Helena Matos afiança que o «seu ar de Pai Natal e algumas intervenções desastradas podem levar a pensar que a criatura é uma espécie de patusco». E acrescenta que é uma pena que Rovira «não dance sevilhanas, pois sempre passávamos melhor o tempo». (Já agora, porquê sevilhanas? Helena Matos ignorará que Sevilha é a capital da Andaluzia?)
Ora, a mim não me preocupa especialmente a questão da independência da Catalunha. Acho, sobretudo, que é um assunto a ser discutido pelos catalães e pelos espanhóis (ou castelhanos). Mas também que é um debate que tem algum sentido. Historicamente, a Catalunha apenas foi definitivamente integrada na Espanha em 1714 (embora, com o casamento dos Reis Católicos, se tenha assistido a uma união das coroas de Castela e Aragão, reino este onde se integrava, mas com estatuto próprio, o antigo condado de Barcelona). Ao contrário do que pretende José Manuel Fernandes, para os catalães, não foi um mero acidente histórico que o governo de Madrid tenha decidido, em 1640, esmagar a revolta independentista na Catalunha e tenha assim dado aos portugueses a possibilidade de organizarem a sua defesa: para eles, foi uma fatalidade! Que diríamos nós hoje se a decisão de Olivares tivesse sido a oposta? Certos historiadores atribuem, aliás, o declínio da Catalunha que, é bom não esquecer, só terminou com o fim do franquismo, à sua dependência relativamente à política centralista de Madrid: como diz José Manuel Fernandes, mas sem pesar as consequências, Barcelona era, até certa altura, uma cidade virada mais para a Europa do que para Castela. Muitos catalães estão de acordo e foi isso que, pelo menos desde o final do século XIX, deu origem a um movimento independentista com largas raízes populares. Com a instauração da democracia, os catalães conseguiram, como outras nações tradicionais que formam a Espanha moderna, um estatuto de autonomia claro no interior do Estado. Tudo isto são razões que justificam que a questão da independência possa e deva ser discutida. Até pode acontecer que os catalães acabem por decidir manter-se ligados a Castela (Espanha). Quem sabe?
O que não vale a pena é disparar sobre o mensageiro. O nível de insulto que o director e a colaboradora do Público utilizaram para falar de Rovira é perfeitamente descabido. E alguns argumentos são de bradar aos céus. José Manuel Fernandes diz que o recente atraso de Barcelona em relação a Madrid (afirmação que é, aliás, contestável e, mesmo que verdadeira, pode não passar de mero acidente de conjuntura) tem a ver, entre outras razões, com a decisão dos catalães de «impor uma língua falada apenas num pequeno canto do mundo, o catalão, contra o castelhano, segunda língua franca da humanidade». Ora, que eu saiba, o espanhol ainda se aprende nas escolas e liceus da Catalunha e, de qualquer maneira, é estranho vir criticar a adopção da língua tradicional duma região ou dum país com meros argumentos tecnocráticos. Aliás, trata-se duma decisão que pertence de direito aos catalães. E não é verdade que, a propósito doutras matérias, se apoia o multilinguismo como essencial ao progresso e à legitimidade da União Europeia?
Agora, repare-se que o argumento pode também aplicar-se a Portugal – será que José Manuel Fernandes considera que a via para o nosso desenvolvimento depende de passarmos todos a falar espanhol ou, já agora, porque não, passando directamente à primeira língua franca da humanidade (JMF dixit) inglês? Moçambique já pensou nisso – e nessa altura, cá em Portugal, sentimos uma forte comoção…
A verdade é que as fronteiras actuais da Europa foram, em termos históricos, desenhadas há muito pouco tempo: algumas, no século XIX; a maior parte já no século XX, quer depois da primeira e segunda guerras mundiais, quer depois da queda do comunismo. Na Bélgica, onde vivo, o debate entre valões e flamengos também tem atingido proporções de grande dureza e nada garante que o país consiga manter-se unido. Na Escócia, os nacionalistas governam desde há dois anos e o governo mantém uma grande popularidade muito embora as sondagens indiquem que não há uma maioria em favor da independência. Assistimos, ainda há pouco, e com que custo humano, ao desmembramento da Jugoslávia, um país puramente artificial, criado pelo Tratado de Versailles. Estas questões, digam o que disserem José Manuel Fernandes e Helena Matos, vão colocar-se na discussão política europeia. Arranjar uma maneira de lhes dar solução não passa certamente por insultos àqueles que não pensam como nós.
9 Comments:
Segundo os viriatos.. perdao, os "jornalistas" do Público, o vicepresidente da Catalunha, Josep-Lluís Carod Rovira, deve deixar de ladrar. Recomendam-lhe tentar dançar sevilhanas como um palhaço. Porém, eles nao sao os únicos agudos analistas de política européia a manterem essa interessante e informada opiniao, nem os primeiros, tal como demonstra mais uma vez a desconhecida história do nosso velho continente:
"Catalán, no ladres, habla la Lengua del Imperio!"
(Cartaz das tropas fascistas espanholas de ocupacao. Barcelona, anos 40)
El gran César Vidal, La Linterna, Cadena Cope, aborda, con su sabiduría, el tema de las polémicas declaraciones del polémico Pérez Carod.
Eu nem sabia que os fascistas tinham dito tais coisas. Mas isso só prova como há tanta gente enganada... ou disparatada.
achei este teu post particularmente interessante (quando estava em Lisboa o assunto de em 1640 o rei espanhol ter considerado a Catalunha mais importante que Portugal foi motivo de conversa durante um jantar com amigos), mas se me permites gostava de levantar uma questão: porque é que continuas a ler esse jornal? As intervencões do JMF têm sido verdadeiramente miseráveis - e ele é o responsável editorial, não? A única coisa que o jornal tem de bom é o suplemento Inimigo Público, mas mesmo esse não é capaz de rir de si próprio...
Ora aqui está uma opinião interessante. A ignorância sobre as questões da língua é gritante em Portugal. Esquecem a definição fundamental e profundamente verdadeira de que a única, histórica e factual diferença entre uma língua e um dialecto, é que aquela tem um exército por trás e esta não.
Nesse sentido, propor a um catalão, a um basco ou a um galego, "esqueçam a vossa língua, ou diminuam-na, face a uma outra que não é a do berço", é considerar que o mundo se rege unicamente por questões económicas. Ou seja, não entendem nada de nada.
Chegou o Quim.......!
¡Viva San Fuencisla!
É, porém, paradoxal que "jornalistas" portugueses atinjam esse grau tão extremo de ignorância...mesmo no que diz respeito a eles próprios.
Não deveria ser segredo nenhum para profissionais da informação que a poderosa direita espanhola nunca considerou a língua portuguesa em termos de verdadeira igualdade com a espanhola. Infelizmente, demasiados nacionalistas espanhois ainda pensam e as vezes até falam em "gallegos irredentos".
Nos media espanhóis o mundo lusofone simplesmente não existe, como também não são visíveis as outras línguas e culturas da península ibérica. É triste constatar que alguns portugueses propõem ao seu "Público" este mesmo "imaginário coletivo" que tem cheiro de ditadura isolacionista
Sr. Fernandes, Homem culto e sabio
Enviar um comentário
<< Home