Canções de Manuel Alegre
Está na moda falar de Manuel Alegre como um político que, dentro do Partido Socialista, se opõe e não opóe a José Sócrates e que tem uma ideia (confusa, deve acrescentar-se) do que deve ser uma orientação de esquerda em Portugal - que certamente nada tem a ver com os disparates propagados por Francisco Louçã e as ideias de Jerónimo de Sousa com que o próprio Manuel Alegre parece, por vezes, concordar.
Eu prefiro recordá-lo como poeta - um daqueles que fizeram da poesia portuguiesa da segunda metade do século XX a maior expressão do sentimento artístico nacional, comparável apenas a Camões, a Fernando Pessoa (de que todos eles, mas menos Manuel Alegre que os outros, descendem) e às grandes obras dos prosadores do século XIX. E, já agora, como um dos poetas portugueses modernos com maior sentido da rima e da canção - para não falar do conteúdo político e, porque não dizê-lo, revolucionário da sua poesia. Hoje, ficam dois poemas que exprimem os seus aspectos de poeta cantabile. O primeiro - mas segundo em data de publicação - foi cantado por Carlos do Carmo no Festival da Eurovisão de 1976, com música de José Niza (a gravação é má). O segundo é um poema da resistência, com música e interpretação de Adriano Correia de Oliveira, numa versão reduzida que Amália, mais tarde, também cantou.
Uma flor de verde pinho
Eu podia chamar-te pátria minha
dar-te o mais lindo nome português
podia dar-te um nome de rainha
que este amor é de Pedro por Inês.
Mas não há forma não há verso não há leito
para este fogo amor para este rio.
Como dizer um coração fora do peito?
Meu amor transbordou. E eu sem navio.
Gostar de ti é um poema que não digo
que não há taça amor para este vinho
não há guitarra nem cantar de amigo
não há flor não há flor de verde pinho.
Não há barco nem trigo não há trevo
não há palavras para dizer esta canção.
Gostar de ti é um poema que não escrevo.
Que há um rio sem leito. E eu sem coração.
http://www.youtube.com/watch?v=QbtKMXzirDY
Trova do vento que passa
Pergunto ao vento que passa
notícias do meu país
e o vento cala a desgraça
o vento nada me diz.
Pergunto aos rios que levam
tanto sonho à flor das águas
e os rios não me sossegam
levam sonhos deixam mágoas.
Levam sonhos deixam mágoas
ai rios do meu país
minha pátria à flor das águas
para onde vais? Ninguém diz.
Se o verde trevo desfolhas
pede notícias e diz
ao trevo de quatro folhas
que morro por meu país.
Pergunto à gente que passa
por que vai de olhos no chão.
Silêncio -- é tudo o que tem
quem vive na servidão.
Vi florir os verdes ramos
direitos e ao céu voltados.
E a quem gosta de ter amos
vi sempre os ombros curvados.
E o vento não me diz nada
ninguém diz nada de novo.
Vi minha pátria pregada
nos braços em cruz do povo.
Vi minha pátria na margem
dos rios que vão pró mar
como quem ama a viagem
mas tem sempre de ficar.
Vi navios a partir
(minha pátria à flor das águas)
vi minha pátria florir
(verdes folhas verdes mágoas).
Há quem te queira ignorada
e fale pátria em teu nome.
Eu vi-te crucificada
nos braços negros da fome.
E o vento não me diz nada
só o silêncio persiste.
Vi minha pátria parada
à beira de um rio triste.
Ninguém diz nada de novo
se notícias vou pedindo
nas mãos vazias do povo
vi minha pátria florindo.
E a noite cresce por dentro
dos homens do meu país.
Peço notícias ao vento
e o vento nada me diz.
Quatro folhas tem o trevo
liberdade quatro sílabas.
Não sabem ler é verdade
aqueles pra quem eu escrevo.
Mas há sempre uma candeia
dentro da própria desgraça
há sempre alguém que semeia
canções no vento que passa.
Mesmo na noite mais triste
em tempo de servidão
há sempre alguém que resiste
há sempre alguém que diz não.
Na versão e interpretação de Adriano Correia de Oliveira pode ouvir-se aqui:
http://www.youtube.com/watch?v=xyN1A2IOtbA
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