Serenidade, força
Sou uma pessoa privada. Encontrei a minha plenitude na minha família, na Sofia, na Inês, na Trezzu, no Diogo, na Xá e na Constança, na minha Mãe, no meu irmão, nos meus genros e em alguns amigos. Recebi mais do que dei. Mas dei alguma coisa.
Não encaro o que me aconteceu como uma injustiça. Como poderia? A quem dirigiria a minha censura? Não acredito em Deus nem em nenhuma outra entidade sobrenatural, omnisciente e omnipotente, que se ocupe dos affaires du monde et de l'homme. A vida, para mim, é apenas princípio, meio e fim. O que veio antes não me preocupa. Sinto-me responsável pelo que fazemos enquanto vivemos, pelo que deixamos atrás de nós. E vejo a morte como um enorme espaço escuro, imóvel, fora do tempo, mas sereno e pacífico.
Posso, no limite, deixar um breve lamento. Sempre pensei que viveria até aos oitenta anos, rodeado das minhas filhas, do meu filho, das minhas netas e netos, num jardim banhado pelo sol. Esperava assistir ao nascimento de bisnetos, pelo menos de um ou uma. As coisas não se passaram assim. O meu horizonte temporal, hoje, não ultrapassa alguns anos e é provavelmente muito, muito mais curto. Mas não tenho medo. Sinto, sim, uma infinita desolação por não ser capaz de encontrar as palavras que possam acalentar as minhas filhas e o meu filho.
Adoro a vida. Tenho algum pudor de grandes atitudes e não apregoo facilmente os meus sentimentos. Por isso, algumas pessoas podem enganar-se e pensar que não luto. Não é verdade. Luto com todas as minhas forças, mesmo quando elas vacilam; luto a toda a hora, em cada minuto. Tenho a certeza de que luto mesmo quando durmo. É claro que às vezes fraquejo: quem o não faria? Mas uso todas as minhas energias para espezinhar esta coisa informe porque a vontade de viver não me abandonou e não me abandonará.
Mas também não quero que o cancro se transforme no meu quotidiano, mais do que aquilo que é inevitável, o que já é imenso. Quero que a minhas filhas continuem a viver, em Paris e em Lisboa, o meu filho permaneça na Suíça, e as minhas netas vivam com os pais e algo longe dum ambiente de doença. Não quero que se transformem em meus enfermeiros. Mas não sou orgulhoso: prezo o amor e a amizade e não recuso ajuda.
Este é o meu programa para os próximos tempos. Que continua hoje com o segundo tratamento da quimioterapia.
5 Comments:
Querido Zé Pedro
Não tenho, como tu, o dom da palavra, sou mais mulher de números...
Só te consigo dizer: FORÇA!
Estamos a torcer por ti!
Um grande beijinho
Teresa
Meu querido Zé Pedro
Embora longe, estás no meu pensamento!Estou a torcer por Ti!
Muitos beijinhos
Manecas
Se a tua Tia Vicas estivesse por aqui...já te teria dito, com o carinho que tinha por ti, "mata o cancro...vais tu arrumá-lo!"
e é nisso em que acredito.
Estes tempos são complicados, mas tb aqui tua Tia te diria "mas quem vos disse que a vida é sempre fáçil ?"...
Mas ela não está por perto... e ainda bem, porque a maçaria muito ver o seu Zé Pedro nestas andanças.
Estou cá eu que te tenho como um irmão. E todos juntos vamos ultrapassar esta fase...
Querido Zé Pedro, obrigada pela tua afectuosa resposta por mail. Já te adicionei no skype, só terás de confirmar o meu pedido, quando te calhar. Ânimo, bofes, good vibes, ou como queiras chamar-lhes - seguem daqui, entre a Alameda e o Areeiro, para aí, às resmas, ultra-leves para chegarem 'asinha', como diria Gil Vicente;-) beijinhos
Meu querido Pedro,
A evocação da minha Tia Vicas, e a lembrança do seu carinho, constitui um incentivo poderoso para “arrumar” o cancro, numa gaveta de que se perca a chave. Tenho a certeza de que, mesmo preocupando-se, diria com efeito que a vida é complicada e que, contra isso, nada havia a fazer. E, mesmo se eu não sou religioso, a sua crença e as suas orações acompanhar-me-iam, tal era a força da sua convicção. Lembro-me também do teu Pai, que ficaria desfeito.
Porque estás cá tu, só sinto a diferença porque os tios nos falavam doutra forma e porque sinto a falta deles. Mas perder, não perco nada. Como um irmão também te considero.
Zé Pedro
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