John Kenneth Galbraith (1908-2006)
Nos anos já longínquos em que comecei o curso de Direito, a vida não era fácil para um aspirante a jurista com gosto por questões económicas. Para além das «Lições de Economia», de Pereira de Moura, havia muito pouca coisa que pudesse ler-se com interesse e ainda menos com agrado.
Assim, a descoberta de Galbraith foi uma alegria. Aqui vinha um economista que escrevia em linguagem clara, num estilo corrido, e sem usar fórmulas matemáticas ou expressões a que apenas os iniciados (que, na altura, eram «os» do ISEF – Instituto Superior de Economia e Finanças, como se chamava então) tinham acesso. E que, não sendo marxista (há mesmo quem o tenha considerado o verdadeiro herdeiro intelectual de Keynes), falava de problemas que nos afectavam a todos: o capitalismo americano, a sociedade da abundância, o novo Estado industrial, numa espécie de variações sobre um mesmo tema, a concentração de poder no Estado, nas empresas, e nos gestores e produtores. A estes temas, correspondem os seus três livros mais conhecidos: «American Capitalism» (1952); «The Affluent Society» (1958); e «The New Industrial State (1967). Também os seus livros de divulgação eram fantásticos. «Money. Whence it came, where it went» é, ainda hoje, um dos livros mais acessíveis que conheço sobre moeda e questões monetárias.
Há quem diga que, mais do que um economista, era um sociólogo e que os seus livros reflectiam e descreviam a América do seu tempo. O que o interessava era, não as teorias económicas que desprezava, mas os fenómenos de poder e os interesses políticos. Considerava que os seus colegas perdiam influência junto do público por ignorarem estas dimensões. Para ele, os economistas (que eram «económicos» com as ideias e mantinham, durante a vida inteira, as mesmas que tinham na altura em que acabavam os cursos) viviam num mundo imaginário de concorrência perfeita onde nada se passava que tivesse a ver com a realidade da vida.
John Kenneth Galbraith morreu a 29 de Abril, com 98 anos, em plena posse das suas faculdades, mas algo esquecido. Há uma década, queixou-se do que chamava o síndroma do «ainda». Cada vez que mostrava o seu interesse por questões política e económicas (e toda a sua vida se tinha interessado por elas), ou que intervinha publicamente sobre qualquer assunto, ou que criticava um livro ou um artigo, alguém dizia: «Ainda trabalha; ainda se interessa pelas coisas; ainda lê esses livros; ainda deixa o olhar correr sobre uma mulher bonita…» Queriam dizer: ainda está vivo! Para a maioria das pessoas, isso era surpreendente.
O seu percurso foi algo parecido com o de Arthur Schlesinger, que já aqui referi. Nasceu no Canadá, de famílias modestas, mas deve ter sido a única vez, durante toda a sua vida, que foi modesto (dizia, aliás, que a modéstia era uma virtude muito sobrevalorizada). Trabalhou com Roosevelt, era amigo e confidente de Kennedy e foi conselheiro de todos os que valiam alguma coisa no Partido Democrático. Era um gigante, não apenas em termos físicos (2 metros de altura), mas em termos intelectuais. E tinha o sentido da frase: várias expressões que hoje usamos frequentemente (o melhor exemplo é: «conventional wisdom») foram usadas por ele pela primeira vez.
E tinha imensa graça. No obituário que foi publicado no «Economist» (disponível aqui: http://www.economist.com/people/displaystory.cfm?story_id=6877092), conta-se que, quando foi Embaixador na Índia, no tempo de Kennedy, enviava directamente as suas cartas ao Presidente porque, dizia, passar pela Secretaria de Estado era como «fornicate through the mattress» (que traduzo envergonhadamente por «fazer amor através do colchão»).
Era, o que chega a parecer estranho nos dias de hoje, um liberal, no sentido que a palavra tem nos Estados Unidos, ou seja, um homem de esquerda convencido da importância do papel do Estado, para corrigir injustiças sociais e regulamentar os mercados, de que desconfiava instintivamente. Mas não era sectário e muitos dos seus amigos eram conservadores. Só não tinha paciência para ignorantes e não aceitava a desonestidade no plano intelectual.
Envelhecer é, também, ver partir aqueles que nos influenciaram ou simplesmente contribuíram para o nosso desenvolvimento intelectual, mostrando-nos caminhos, oferecendo-nos problemas e sugerindo-nos soluções. Tenho a certeza de que, como diz o «Economist», os Estados Unidos estão um pouco mais pobres depois da morte de Galbraith mas, no que me respeita, o que sinto é uma saudade enorme do tempo em que abri os seus livros pela primeira vez.
4 Comments:
I say briefly: Best! Useful information. Good job guys.
»
This site is one of the best I have ever seen, wish I had one like this.
»
Very best site. Keep working. Will return in the near future.
»
Hallo I absolutely adore your site. You have beautiful graphics I have ever seen.
»
Enviar um comentário
<< Home