Simplicidade de Sophia de Mello Breyner
Em Sofia, admiro a forma como recria o mundo numa simples frase. A nudez enganadora das palavras chega a fazer esquecer, por vezes, que nada é banal no que diz. Os exemplos poderiam ser imensos mas ficam, por agora, estes, tirados de «No Tempo Dividido», publicado em 1954:
(No mar passa)
No mar passa de onda em onda repetido
O meu nome fantástico e secreto
Que só os anjos do vento reconhecem
Quando os encontro e perco de repente.
(A Liberdade)
A liberdade que dos deuses eu esperava
Quebrou-se. As rosas que eu colhia,
Transparentes no tempo luminoso,
Morreram com o tempo que as abria.
(Dia)
Como um oásis branco era o meu dia
Nele secretamente eu navegava
Unicamente o vento me seguia.
(Poema de amor de António e Cleópatra)
Pelas tuas mãos medi o mundo
E na balança pura dos teus ombros
Pesei o ouro do Sol e a palidez da Lua.
Um pouco mais longo, mas talvez um dos mais belos:
(A Estátua)
Nas suas mãos a voz do mar dormia
Nos seus cabelos o vento se esculpia
A luz rolava entre seus braços frios
E nos seus olhos cegos e vazios
Boiava o rasto branco dos navios.
Ou simplesmente:
(Tarde)
O que eu queria dizer-te nesta tarde
Nada tem de comum com as gaivotas.
(Praia)
As ondas desenrolam os seus braços
E brancas tombam de bruços.
E não resisto a acrescentar, desta vez de «Mar Novo» (1958):
(Perfeito)
Perfeito é não quebrar
A imaginária linha
Exacta é a recusa
E puro é o nojo.
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