«Sarkozy em Camarate» - Artigo de José Miguel Júdice
Não sei se será possível encontrar este artigo de José Miguel Júdice no «Público» porque a edição em rede do Público só é acessível a assinantes. Mas trata-se de um notável artigo de um grande advogado. José Miguel Júdice ensina-nos que «o grande teste para os direitos da cidadania não pode ser feito em relação aos que cumprem as leis, respeitam as regras sociais, não transgridem. Com esses é, felizmente, muito fácil que as polícias não prevariquem e que possa ser afirmado que "quem não deve não teme". Não, a luta secular pelos direitos fundamentais que constam hoje de documentos com força constitucional e legal, fez-se para defender os "outros", os que provavelmente não cumprem as leis, não nos respeitam e transgridem nos seus comportamentos». E diz-nos ainda que «a última coisa de que Portugal necessita é de movimentos violentos das áreas suburbanas que possam resultar de uma sensação de pertença a um grupo desvalorizado e tratado sem humanidade nem decência.»
Ao mesmo tempo, acrescenta, com razão, que «a defesa dos direitos humanos faz-se também pela luta contra a criminalidade. Uma sociedade onde o crime esteja impune e onde os cidadãos se sintam justificadamente inseguros é propícia a derivas securitárias.»
Nos tempos que correm, em que estas derivas ameaçam engolir liberdades essenciais, é bom que venha alguém lembrar que a beleza e dignidade do Direito, e a dignidade pessoal dos juristas, passam por censurar sem transigência qualquer violação dos direitos fundamentais, mesmo dos direitos dos criminosos; por recusar a condenação antecipada, mesmo de gente que, à primeira vista, parece ser culpada; e por não aceitar a amálgama entre todos os que vivem nos mesmos bairros difíceis. Conviria que os senhores que decidem estas operações policiais pensassem em quanto é difícil manter um mínimo de dignidade quando se vive nesses locais e nessas condições; e que devemos inclinar-nos com respeito por quem o consegue, que mais não seja porque a sua tarefa quotidiana é muito mais difícil do que a nossa.
Isto foi o que aprendi, primeiro na Faculdade de Direito (mesmo antes do 25 de Abril porque alguns professores, como Magalhães Colaço, Sousa Franco, Jorge Miranda ou Marcelo Rebelo de Sousa, já nos ensinavam essas coisas) e, depois, ao longo da minha vida de jurista, mesmo se me transformei, com o tempo, numa espécie de «jurista não praticante». Mas, talvez por isso mesmo, por estar afastado do quotidiano pesado da administração da justiça em Portugal, mantive a minha preocupação com os aspectos essenciais da liberdade e justiça, em particular num tempo em que, segundo me parece, os mais pobres ou mais desfavorecidos estão, de facto, afastados dos mecanismos de justiça excepto quando esta os acusa e prende.
Com este artigo, José Miguel Júdice dá aos advogados razões para se orgulharem da sua profissão.
(Artigo aqui: http://jornal.publico.clix.pt/noticias.asp?a=2006&m=05&d=05&uid=&id=76964&sid=8415)
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