Wilhelm Kempff (25 de Novembro de 1895 - 23 de Maio de 1991)
A primeira gravação integral das Sonatas para piano de Beethoven foi efectuada por Arthur Schnabel (1882-1951) – e ainda hoje é um gosto ouvi-la. Mas a geração da minha Mãe, e ainda a minha, entrou no universo das obras para piano de Beethoven através das integrais de Wilhelm Kempff. Kempff gravou três integrais das sonatas de Beethoven. A primeira, em 78 rotações, entre 1926 e 1945, é praticamente inacessível e, a julgar por dois ou três discos que encontrei recentemente, o som é horrível. A segunda (mono), publicada entre 1951 e 1956, é uma maravilha, tendo sido reeditada pela Deutsche Gramophon (DG) em 1995. E a terceira (stereo), a mais conhecida, apareceu nos anos 60 e foi utilizada pela DG na sua edição completa das obras de Beethoven.
Kempff nasceu em 1895, na província de Brandeburgo, na Alemanha, originário de uma família de músicos de igreja, e numa altura em que Brahms, Bruckner e Verdi ainda viviam. Morreu em 1991, em Positano, Itália, onde, a partir de 1957, dava aulas a jovens pianistas. Gostava de salientar as suas ligações ao mundo da música clássica e romântica. Estudara com Heinrich Barth que, por sua vez, fora aluno de Hans von Bülow (o primeiro marido de Cosima Liszt, que o deixou para seguir Wagner e tornar-se na célebre Cosima Wagner, que dirigiu Bayreuth com mão de ferro depois da morte do marido e, perdendo a dignidade, se tornou amiga de Hitler, morrendo em 1930, com noventa e três anos). Von Bülow estudara, é claro, com Lizst (foi assim que conheceu a sua filha) e, ao que se diz, Liszt encontrara Beethoven. A história do encontro de Liszt, ainda criança, com um já envelhecido Beethoven, que lhe teria pegado ao colo e beijado, entronizando-o como seu sucessor, é, segundo tudo indica, apócrifa. Não está em causa o génio ao piano de Liszt, já quando criança. Todos os que o ouviram concordaram em que era um pianista excepcional. Clara Schumann dizia que a sua forma de tocar piano provocava temor e espanto. Segundo ela, Liszt não respeitava, nem regras, nem forma, nem estilo, mas recriava tudo isso de uma maneira prodigiosa. A sua arte era a vida. Mas, ao que parece, o encontro com Beethoven nunca teve lugar.
De qualquer maneira, Kempff sempre se sentiu herdeiro de uma tradição pianista que assentava no exemplo desses mestres. Há uma poesia muito particular na sua forma de tocar. As suas mãos passam sobre as teclas, numa imensa serenidade. As notas seguem-se umas às outras com a evidência das coisas simples. No início da sua carreira, nas década de 1910 e 1920, os jovens pianistas eram apreciados mais em função da sua imaginação e da capacidade de recriar o universo do compositor que pela sua capacidade de tocar irrepreensivelmente todas as notas da partição. (Talvez porque o disco se não tivesse ainda afirmado como o meio privilegiado de acesso às obras musicais. Cortot, um extraordinário pianista francês, que interpretava Chopin como ninguém mais, enganava-se frequentemente.) Kempff mantinha a tradição dos grandes pianistas de outros tempos, que eram também improvisadores. A grande magia da sua interpretação das sonatas de Beethoven tem a ver com esta liberdade – fantasia aliada a rigor.
Para além de Beethoven, foi um intérprete privilegiado de Brahms, Shubert (de quem deixou a primeira integral da sonatas para piano, ainda hoje magnífica) e Schumann. Curiosamente, não sentia afinidades com Chopin e não conheço nenhuma gravação sua de obras deste compositor. De Liszt, ficaram poucas peças, gravadas cedo na sua carreira. Algumas foram redescobertas por Alfred Brendel e publicadas num dos três volumes da edição da Philips dos «Grandes Pianistas do século XX», que foi dedicada a Kempff.
Em Maio de 1957, Kempff visitou Sibelius. O compositor, que morreria meses depois, pediu-lhe que tocasse a sonata «Hammerklavier», a sonata no.29 de Beethoven, talvez a mais célebre sonata da história da música, e certamente uma das mais difíceis de interpretar. Quando Kempff acabou, Sibelius disse-lhe: «O senhor tocou, não como um pianista, mas como um homem!»
Mas, de Kempff, a história mais bonita é, para mim, a seguinte. Perto do fim da sua vida, em Positano, quando tocava para amigos, parou subitamente e disse: «Tenho passado a minha vida a transmitir a beleza, através da música. Hoje, apercebo-me de que já não estou em condições de o fazer, com a qualidade que sempre me exigi.» Nunca mais tocou piano em público. Não admitia ser recordado como alguém que tivesse deixado degradar a sua arte.
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