terça-feira, 6 de fevereiro de 2007

Náusea: um artigo de Patinha Antão no Público de hoje

Sempre considerei Mário Patinha Antão – que apenas conheço pelas suas posições públicas e como um Secretário de Estado da Saúde de que ninguém falou ou fala – como um idiota. O artigo que publica, no Público de hoje, sobre o referendo do próximo fim-de-semana, sob o magnífico título «A virtù do voto» (Que delícia: Patinha Antão sabe falar italiano!) veio apenas confortar esta opinião. Mas o que mais me irrita é a clara desonestidade intelectual – a vacuidade do pensamento coberta por pobres e ligeiras referências científicas e filosóficas – dos argumentos alinhavados em favor da defesa do «não».

No seu artigo, Patinha Antão invoca Sócrates e Maquiavel, certamente com o objectivo de cobrir as suas razões como uma espessa camada de «patine» intelectual. E assim, segundo este reconhecido historiador da filosofia, Antão, «para os gregos, e sobretudo para Sócrates, a virtù consistia em cada um procurar ser habitual e moralmente excelente. Para os renascentistas, e sobretudo para Maquiavel, a virtù do Príncipe era a inspiração dos súbditos e o fermento da grandeza da Cidade». Poderia dizer-se que Sócrates não falava propriamente de virtù (ele, afinal, ao contrário de Patinha Antão, não conhecia o italiano) e, sobretudo, que sobre o conceito de «virtude», em Sócrates e Platão, se escreveram milhares de páginas – porque ele é reconhecidamente difícil. Para além disso, se alguma conclusão se pode tirar do ensinamento de Sócrates, é que o questionamento é o fundamento da vida moral e social: nada se pode aceitar sem que todas as suas razões tenham sido expostas e objecto de crítica. Quanto a Maquiavel, a frase de Patinha Antão só pode ser recebida como uma gargalhada. Se alguma coisa se pode dizer de Maquiavel é que ele não é, seguramente, representativo de quaisquer «renascentistas». A sua obra é profundamente original, pela sua recusa do cristianismo e pela subversão radical de princípios e métodos que implica.

Mas é esta a maneira de Patinha Antão. Acima de tudo, importa-lhe apresentar as suas credenciais: por um lado, homem culto e inteligente; por outro (então, eu até falo de Sócrates! até conheço Maquiavel!), homem razoável e imparcial. O seu método define-se pelos seguintes passos. Tratar este assunto de forma «elevada». Não cair na tentação da parcialidade. Analisar o problema em diversos planos. Utilizar o método socrático do questionamento permanente. Chegar, enfim, a uma conclusão.

Com o senão de que a conclusão estava definida de início; e que os argumentos expostos são apenas aqueles que se limitam a confirmá-la. Há um arremedo, uma imitação, de uma discussão. Mas não com o objectivo de descobrir a verdade mas simplesmente com o de comprovar uma opinião.

Assim, segundo Patinha, que nos ensina a ciência? Que há vida! Quer nos ensina o direito? «Na lógica da ética e dos afectos», que o direito do feto prevalece sempre sobre o direito da mãe. (E não esqueçamos que a ecografia das sete semanas tem um valor afectivo porventura ainda maior do que a ecografia das nove semanas.) Que nos ensinam os comportamentos? Que a mulher informada raramente abortará por ter acesso a toda a panóplia de meios contraceptivos eficazes (incluindo a pílula do dia seguinte) e que as mulheres menos afortunadas também chegarão a esse estádio superior se forem definidas políticas públicas eficazes. Finalmente, convém não esquecer que, se votarmos «sim», isso criará uma pressão insustentável sobre o SNS, sem garantias de confidencialidade e com aumento das listas de espera para outros actos médicos. E, sobretudo, que esse voto daria «um sinal de condescendência laxista, sobretudo às jovens adolescentes, empurrando-as, por leviandade, para relações sexuais fortuitas desprotegidas e substituídas pela pílula abortiva do dia seguinte, e para o crescimento em flecha do seu número de abortos, como aconteceu de resto em países que seguiram esta via.» QED

Ah! Quase me esquecia. O «sim» fala malevolamente em «interrupção voluntária da gravidez». O «não», corajosamente, chama as coisas pelo seu nome: aborto. Os portugueses que não se enganem: o que vão dizer é sim ao aborto.

Resta saber porque ando eu a perder cera com tão ruim defunto!