O Muro de Berlim e os balbuciamentos de Helena Matos
Não consigo compreender como é que o Público oferece a última página do jornal (num em cada dois dias) a Helena Matos. Supostamente, ela representa um pensamento de direita, por oposição a Rui Tavares que representaria, ele, o pensamento de esquerda, numa espécie de transcrição para a imprensa escrita do célebre programa Crossfire da CNN. Mas o problema, com Helena Matos, é que pensamento não há. Nem de esquerda, nem de direita, nem sequer qualquer coisa que viesse duma mistura dos dois.
Na sua crónica de hoje, esta senhora insurge-se contra o chamado «pensamento positivo», posição com a qual eu até poderia estar de acordo mas que perde toda a sua força em face dos argumentos apresentados - que mais são, como o diz o título desta crónica, «balbuciamentos» («balbuciar» é definido no dicionário, entre outros sentidos, como «falar com hesitação e sem conhecimento perfeito do assunto.») Poupo os leitores do meu blogue à inanidade dos raciocínios aí apresentados e, infelizmente, mesmo se tivessem grande vontade de mergulharem nessas águas mornas, nem vale a pena indicar-lhes o link porque o acesso à edição on-line do Público é restrito.
(Por vezes, Helena Matos faz-me lembrar dois livros de um professor francês, Jean Charles, que há anos atrás me fizeram torcer de riso a ponto de a minha Mãe acorrer ao meu quarto para saber o que me teria acontecido. Chamavam-se, respectivamente, La foire aux Cancres et Le livre Rouge des Cancres. (Cancres pode ser traduzido por cábulas.) Neles, o autor juntava frases pescadas em provas de exame, em discursos parlamentares, em artigos de jornais, etc., que representavam asneiras involuntárias. Um dos exemplos que nunca esquecerei era o do aluno que, numa redacção sobre Richelieu, dizia que este, para impedir os nobres de se matarem estupidamente em duelo, os mandava decapitar. Solução, como se vê, radical para o problema enfrentado pelo Cardeal - que o teria resolvido, segundo o fraco estudante, um pouco à maneira de Helena Matos)
Assim, ri à gargalhada (e depois tive vontade de chorar) com uma das últimas frases do artigo em causa: «Mas, pragmática como sou, não posso deixar de recordar que o Muro de Berlim caiu porque umas mãozinhas o deitaram abaixo (…)» Palavra? E eu que pensava que o Muro de Berlim tinha caído porque, por um conjunto de circunstâncias que agora seria fastidioso enunciar (e principalmente porque houve, durante anos e anos, muita gente que pensou que ele podia cair e nunca desesperou; e essa gente encontrava-se, na maioria dos casos, do lado de lá, e não do lado de cá, do muro), se tornou possível que ele fosse derrubado, numa explosão de liberdade e alegria que são, até prova em contrário, coisas que relevam mais do mundo espiritual do que do mundo material. Até porque as tais mãozinhas sempre existiram (e foram também elas, o que parece escapar a Helena Matos, que construíram o muro.) Mas, simplesmente, não podiam encarregar-se do trabalho físico de o deitar abaixo porque ainda não tinha sido percorrido esse caminho que permitiu que o pensamento (esse «livre pensamento» pelo qual tantos foram presos e alguns mortos) e a imaginação duns quantos que nunca cessaram de acreditar finalmente vencessem. Não fossem esses, não fossem as suas ideias, as suas convicções, a sua força, a sua luta, e ainda hoje essas mãozinhas estariam a abanar.
E passo sobre a última frase que, essa, me parece absolutamente incompreensível, e que só aqui refiro à espera que alma caridosa me escreva a esclarecer o seu significado: «E o pensamento positivo, por mais positivo que seja, não é suficiente para ser pensamento.» (Para ser honesto, é talvez uma falha tipográfica e a frase devia acabar com a palavra «acção». Mas, com Helena Matos, nunca se sabe!)
Enfim, tudo isto tem, pelo menos, a vantagem de dar algum colorido a uns dias em Bruxelas que, porque toda a gente se foi embora, têm sido particularmente difíceis de suportar.
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