sábado, 24 de novembro de 2007

Pulido Valente vs Sousa Tavares

Não vou comentar esta polémica anunciada entre Vasco Pulido Valente e Miguel Sousa Tavares a propósito do segundo romance «de fôlego» deste, Rio das Flores. Li o artigo de Pulido Valente no Público de hoje (Caderno P2) e achei-lhe alguma graça. Espero pela resposta de Sousa Tavares que virá, de certeza, imodesta e exaltada. Pulido Valente desfaz o livro, sob os planos histórico e artístico. Às vezes, exagera mas, na maior parte dos casos, a crítica acerta. Sinto alguma simpatia por Pulido Valente que achou, como eu, que Equador era um romance de aeroporto, nem sequer bem escrito. Lembro-me que, no ano em que saiu, na praia Maria Luísa, que eu então ainda frequentava e donde fui retirado por insistência repetida das minhas filhas mais velhas, toda a gente falava dele. Pessoa das minhas relações gabava-se de o ter acabado de uma assentada numa noite em que não tinha conseguido pregar olho, tal o entusiasmo que o havia assaltado. Isso surpeendeu-me bastante porque ele adormecia mesmo a jogar bridge. Como não gosto de andar em rebanho, só li o romance muito mais tarde. E nunca mais perdi tempo com ele. Mas fiquei impressionado com uma declaração de Sousa Tavares por altura da recente publicação de Rio das Flores. Disse ele que fora só agora, desta vez, que se tinha sentido verdadeiramente um escritor. Equador tinha sido longamente pensado e Sousa Tavares tinha desenvolvido, antes de começar a escrevê-lo, um aturado esforço de investigação. Já Rio das Flores, mesmo se baseado «num minucioso e exaustivo trabalho de pesquisa histórica», tinha partido da famosa página branca de todo o escritor que se preze. Ou seja, quando o começou, não sabia o que iria escrever. Fiquei a pensar que esta é uma estranha maneira de definir um escritor. Veio-me à cabeça a imagem de Tolstoï, preparando-se para escrever Guerra e Paz ou Anna Karenina sem saber o que queria dizer. Há algo que não bate certo nisto! O que será?

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Ainda nao li o "Rio das Flores" mas vou ler concerteza. Portanto nao me vou pronunciar antes de o fazer.
Quanto ao "Equador", gostei imenso. Nao lhe chamaria de todo romance de aeroporto. Até os romances de aeroporto tem um lugar e cumprem a sua funçao. O de ajudar a matar horas de espera interminaveis nessas especies de hangares de mercadorias em que se transformaram as salas dos aeroportos.
Penso que o primeiro romance de MST cumpre o seu objectivo principal - entertainment. Nem nunca o MST pretendeu ser um Tolstoi, nem niguem espera isso dele. MST, por mais irritante e cabotino que seja como personagem mediatica, nunca pretendeu ascender ao Prémio Nobel de Literatura.É um jornalista, com voz propria, filho de um grande advogado e de uma grande senhora da Poesia. Sera assim tao importante para um romance de ficçao, o rigor historico? Nao se trata de um Tratado ou de um compêndio escolar. Se a historia é envolvente, o enredo palpitante, se proporciona momentos de prazer e de evasao, mesmo ao leitor mais banal, quando se devoram com apetite paginas umas atras das outras, qual é o mal nisso? Sera que só a Literatura de Tolstoi, Shakespere, de Victor Hugo, de Eça tem "Lettres de Noblesse"? Certamente. Mas depois há os outros... E os outros nao tem direito de escrever? De qualquer forma haverá sempre criaturas irritantes com o PV para denegrirem o trabalho dos outros. Sao sempre os mesmos que se acham mais espertos!
E se MST e outros tantos, conseguirem por os portugueses a lerem mais? No metro, na paragem do autocarro, na sala de espera do dentista? Nao se trata apenas de um fenómeno de moda. É uma leitura fácil, agradável, com uma trama captivante.
E vou ler o "Rio das flores". Porque me apetece!

27 novembro, 2007 18:01  
Anonymous Anónimo said...

Comentário em resposta a VAR. Há aqui um a grande confusão. Eu nunca disse que Sousa Tavares não tinha direito de escrever romances. (Nem mesmo que os romances de aeroporto não cumprem uma função social; já li muitos romances de aeroporto, principalmente em aeroportos mas também em estações de comboio ou nas salas de espera das garagens de autocarros.) Pelo contrário. Acho isso óptimo e até me causa uma certa inveja. Ele faz, afinal, com grande sucesso, aquilo que eu gostaria de ter feito: ganha a sua vida a escrever. Ou seja, estamos de acordo em que Miguel Sousa Tavares tem o direito de fazer o que lhe dá na real gana. O problema é quando ele vem qualificar-se a si próprio como escritor, com «E» grande, e define escritor como o ser que é capaz de escrever diante duma página branca. O sentido da minha referência a Tosltoi não é o de os comparar mas o de contestar essa definição de escritor. Por outro lado, que Miguel Sousa Tavares seja jornalista ou não, isso não interessa; nem interessa que seja filho dum grande advogado (completamente irrelevante; você também é); nem sequer que seja também filho de uma grande «senhora da poesia» (mais simplesmente: poeta) embora isto lhe pudesse impor especiais responsabilidades. Quanto à importância do rigor histórico, ça dépend. Não é essencial se o autor não tiver puxado dos seus galões para dizer que o seu trabalho se baseava numa investigação exaustiva; ou se a definição dos personagens não depender desse rigor. Por exemplo, voltando ainda a Tosltoi, um certo rigor histórico de Guerra e Paz é essencial na medida em que a reacção russa às invasões de Napoleão faz parte o essencial da trama do próprio romance. Quanto à literatura que tem «lettres de noblesse», peço desculpa, mas ela é somente aquela que refere: a de Tolstoi, Staendhal, Eça e outros. O que não quer dizer que a outra não tenha interesse nem se venda. Em relação ao Pulido Valente, é desagradável defender o direito de Sousa Tavares de escrever o que quiser e esquecer que Pulido Valente tem exactamente o mesmo direito de criticar o romance do Sousa Tavares que este tem o direito de o escrever. Pulido Valente, por outro lado, ao contrário do que parece insinuar, não ganha a sua vida a dizer mal dos outros. É um historiador com obra feita: contestável, mas feita. Finalmente, dizer que o Sousa Tavares põe os portugueses a ler mais, é algo que ainda está por provar. Certos portugueses, certamente, e mesmo assim, ao que parece, só por uma noite e a correr. O resto dos portugueses? Duvido. Acho muito bem que leia o Rio das Flores. Assim vai poder contar-mo porque eu não faço tenções de o comprar. Beijinhos ao Sousa Tavares.

28 novembro, 2007 16:18  

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