quarta-feira, 2 de abril de 2008

Jornalistas e (falta de) cultura

Estas coisas parecem não ter importância mas dão bem a ideia do saber histórico e nível cultural de alguns dos nossos jornalistas. Numa notícia a propósito das recentes declarações de Jaime Gama, de elogio a Alberto João Jardim (que nos levam a pensar que o Presidente do Parlamento não devia estar em momento feliz porque uma coisa é reconhecer o progresso económico da Madeira nos últimos trinta anos e outra é passar em claro a forma autoritária e discriminatória como Jardim tem exercido o poder), diz o Diário de Notícias:

«O líder parlamentar do PS/Açores considerou ontem que os elogios "foram uma romagem humilhante de um alto responsável de Estado". Francisco Coelho sustentou que foi "uma desconsideração desnecessária aos socialistas e democratas da Região Autónoma da Madeira". "Foi como uma romagem a Canossa", sublinhou, ironizando com a vassalagem de Frederico I (Barba Ruiva) ao Papa na cidade de Canossa, em 1070.»

Ora, acontece que a viagem a Canossa nada tem a ver com Frederico Barba Ruiva (que, tendo nascido em 1122 dificilmente se poderia ter deslocado, em 1077, a 28 de Janeiro, para ser mais preciso – e não em 1070, outro erro do artigo – a qualquer lado que fosse) mas com o imperador Henrique IV. Foi uma verdadeira humilhação para o Imperador que tinha sido excomungado por Gregório VII em 1076. «Devant les remparts, pieds nus dans la neige et vêtu seulement d’une cotte de laine comme un pénitent, le roi Henri attend trois jours et trois nuits dans le froid. Jamais un roi ne s’était à tel point humilié. Mais son stratagème réussit, en apparence du moins : Grégoire VII n’eut d’autre choix, le 28 janvier 1077, que d’accueillir le pénitent repenti dans le giron de l’Église – le risque que le roi fût déposé était pour l’instant écarté.»

Um pouco de cultura não lhes faria mal! Mas seria interessante, embora pouco provável, ver Jaime Gama diante dos socialistas madeirenses e açorianos, no Funchal ou em Ponta Delgada, ou, para manter a semelhança com Canossa, no topo do Pico, de pés nus (ou em havaianas) e vestido com uma simples camisola de manga curta e uns calções até ao joelho, tremendo de frio, humilhado e forçado a pedir perdão pelas suas infelizes declarações.

(O quadro é de Eduard Schwoiser, 1862)