Fidel Castro - Traidor de um ideal
É hoje difícil compreender como Fidel Castro conseguiu, durante tantos anos, representar uma esperança para a libertação dos países sujeitos ao colonialismo. Quando derrubou Batista, o antigo ditador cubano, Fidel ascendeu ao estatuto de herói de uma guerra de libertação. O simples facto de ter posto fim à influência norte-americana num país da América Latina desculpou-lhe quase tudo. E, no entanto, bem cedo podíamos todos ter compreendido o carácter abjecto do regime de Fidel: a liberdade espezinhada, as prisões cheias, as vozes caladas, as mentes ocultas, dissidentes perseguidos, homens e mulheres destruídos, homossexuais e outros que se recusavam a viver segundo as regras do regime (penso principalmente em Reinaldo Arenas, esse grande escritor cubano que se suicidou no exílio) enxovalhados e forçados a fugir de Cuba – enfim, todos os que discordavam do líder máximo ou simplesmente queriam viver a sua vida, aqueles que «por serem fiéis a um Deus, a um pensamento, a uma pátria, uma esperança, ou muito apenas à fome irrespondível que lhes roía as entranhas, foram estripados, esfolados, queimados, gaseados, e os seus corpos amontoados tão anonimamente quanto haviam vivido, ou suas cinzas dispersas para que delas não restasse memória, (os que) às vezes, por serem de uma raça, outras por serem de uma classe, expiaram todos os erros que não tinham cometido ou não tinham consciência de haver cometido», nas belas palavras de Jorge de Sena. Fidel enganou todos os que acreditavam no mundo melhor prometido pela ilusão do comunismo. Se há diferença entre o comunismo e o fascismo ou o nazismo - e eu penso que ela existe - ela só pode estar na intenção porque a prática, afinal, se revelou quase idêntica. Como até Raymond Aron reconheceu em L'Opium des intelectuels, os defeitos do comunismo, se desfaziam, na prática, o seu ideal inicial, não lhe retiravam a maior valia moral face ao nazismo ou ao fascismo, na medida em que o seu objectivo era a melhoria da condição dos ofendidos e humilhados enquanto que, nestes últimos regimes, se tratava apenas de dar poder a um grupo de poderosos e arrogantes convencidos que valiam mais do que o resto da humanidade. Mas, no caso de Fidel, como no de Lenine ou Estaline e tantos outros, esse ideal sempre espezinhado não foi senão a máscara do oportunismo. Com a sua demissão, hoje, sai de cena um reles ditador, tarde e a más horas, pela porta pequena, pela porta das traseiras, sem acusação ou culpa formada, sem julgamento, sem pena, sem castigo. Deixa os que sofreram sob a sua ditadura sem sequer (por enquanto) a possibilidade de serem reabilitados, sem reconhecimento nem desculpa. Tal como vão as coisas, quando morrer, terá direito a funerais nacionais. Mas não merece que tenhamos pena dele.
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