A China en África - Vingança da história?
Henning Mankell, genro de Ingmar Bergmann, é um escritor sueco conhecido principalmente pelos seus excelentes livros policiais (mas autor também duma comovente Comédia Infantil que teve certo sucesso em Portugal e põe em cena Nélio, um rapaz africano apanhado nas malhas da guerra civil e da pobreza dos meninos de rua). Mankell divide o seu tempo entre a Suécia e Maputo, Moçambique, onde é director do Teatro Avenida.
Há duas semanas, Mankell deu uma entrevista ao Nouvel Observateur em que falou de uma nova colonização de África, desta vez com origem na China. Segundo o escritor sueco, esta colonização obedece a uma filosofia diferente da colonização tradicional dos grandes países neste Continente e, como se verá, mais próxima da que presidiu à expansão europeia na América do Norte e do Sul. O que importa aos chineses é exportar a sua mão-de-obra agrícola – os seus camponeses em suma. A China confronta-se com um problema, irresolúvel em termos nacionais, de sobrepopulação rural. A única possível solução para este pesadelo dos dirigentes chineses (porque se trata de 200 milhões potenciais revoltosos) consiste em exportar homens – ou seja, em favorecer a emigração em massa dos seus habitantes. Por isso, os investimentos chineses em África situam-se normalmente no sector agrário (compra de largos domínios agrícolas) e acompanham-se duma transplantação enorme de indivíduos da China para os países de acolhimento. «Les dirigeants chinois envisagent donc d'exporter le problème et de transplanter en Afrique les paysans les plus pauvres (pas moins de 4 millions d'entre eux !) pour qu'ils y cultivent la terre. C'est une forme terrible de colonisation, et c'est exactement ce qu'ont fait les Portugais autrefois au Mozambique. On peut faire subir n'importe quoi aux pauvres.» A referência a Portugal explica-se pelo facto de, na altura da colonização, este ser um país pobre incapaz de oferecer aos seus habitantes um nível mínimo de riqueza ou bem-estar e, consequentemente, interessado em mandar para longe a sua população. Mas a dimensão, em brutos termos dos números em causa, é completamente diferente. Portugal tinha, no início do século XX, 3 ou 4 milhões de habitantes... A China tem mais de um bilião.
Esta entrevista interessou-me porque, há algum tempo, num artigo neste blogue, eu dava conta de um livro que na altura teve um enorme sucesso, propondo uma nova direcção para os trabalhos sobre o «milagre europeu», ou seja, sobre a questão difícil de saber por que foi na Europa, continente que nada, em princípio, fadava para tanto, que tiveram lugar as transformações excepcionais que conduziram ao extraordinário desenvolvimento económico que nos levou aos nosso tempos. Esse livro chamava-se The Great Divergence e o seu autor é um historiador de méritos firmados, Kenneth Pomeranz. O que é que um livro centrado sobre o desenvolvimento paralelo da China e da Europa em tempos já longínmquos tem a ver com a entrevista de Mankell?
Quase tudo. Porque Pomeranz tenta provar que, nos séculos XVII e XVIII, nada de essencial distinguia a China da Europa. Nem uma classe económica europeia particularmente dinâmica, nem arbitrárias formas de intervenção na vida económica por parte dos imperadores ou mandarins (como acontecia no Império Otomano), nem outros factores que tantas vezes têm sido apontados para explicar esta «divergência». Mas um factor a que Pomeranz atribui grande importância é, precisamente, a ausência de pressão demográfica, nomeadamente no campo, de que a Europa beneficiou por poder exportar a sua mão-de-obra excedentária para a América e, depois, para África, no âmbito da experiência colonial. Os chineses, que, por razões internas, se tinham fechado sobre si próprios, definindo-se como potência estruturalmente continental, depois de umas raras tentativas de expansão marítima, não tiveram essa possibilidade.
O que nos poderá levar a concluir que, por um lado, a China terá aprendido a lição e, por outro lado, que o futuro não se afigura róseo para os países e Continente africanos.
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