Monarquia e República: Asneiras em boca real
Duarte Pio de Bragança, Chefe de uma vaga Casa Real Portuguesa – ou seja, traduzindo em termos de gente comum, pretendente ao trono de acordo com as regras de sucessão dinástica, se (grande «se») a Monarquia ainda existisse – vem dizer que não há, no nosso país, uma democracia madura porque a questão do regime, República ou Monarquia, não pode ser objecto de voto popular.
Conviria lembrar algumas coisas. Em primeiro lugar, que, antes de 5 de Outubro de 1910, data da implantação da República, isso também acontecia. Mesmo que os republicanos ganhassem eleições, a questão do regime não se poria: estaríamos em Monarquia – e é tudo. Talvez por isso, apareceu a muitos que a única forma de derrubar o Rei seria através de meios revolucionários.
A recente tentativa de redourar o brasão de D. Carlos, transformando-o num Rei moderno e bem intencionado, decidido a fazer a felicidade do povo e impedido, nessa nobre tarefa, pela camarilha política da época – se é verdade que contribui para a degradação da imagem dos nossos políticos modernos, sendo este afinal o seu objectivo inconfesso, não deixará de se revelar como aquilo que, realmente, é: uma leitura particular e parcial da nossa história, tão parcial como as que, nos meus tempos de menino e moço, por oposição à ditadura salazarista, levavam aos píncaros da fama Afonso Costa, democrata, republicano e anticlerical.
Mas, por outro lado, e com maior importância, a implantação da República, em 1910, tinha por si o sinal dos tempos – a tal ponto que Salazar, íntimo partidário da Monarquia, sempre recusou a «restauração». Não seria o caso nos nossos dias de um retorno à Monarquia. Nada de sinal dos tempos. Pelo contrário, um retorno a um passado que, nos dias de hoje, pareceria simplesmente ridículo.
Voltar a um regime onde uma família, pelo simples facto da sua ascendência, se arroga o privilégio de assumir o mais alto cargo da hierarquia política e de representar o país, contradiz o espírito do tempo. Haveria algo de repugnante nesta situação – o que é mesmo compreendido pela maioria dos homens da direita liberal. Para além do mais, folclore excluído, os exemplos das monarquias ainda existentes não parecem particularmente edificantes.
Com efeito, os únicos proponentes duma solução deste tipo – chamemos-lhe os discípulos portugueses de Maurras e da Action française, dignos sucessores de Salazar com maior coerência do que este – esquecem que os portugueses, se são, ainda hoje, submissos e prontos a vender a alma por um arremedo de autoridade que lhes pareça trazer a segurança por que tanto anseiam, também têm tendência para recusar benefícios não assentes numa qualquer forma, mesmo leve, de mérito pessoal. A tradição tem actualmente, e ainda bem, menos força do que o esforço e valor individuais. (Muito da popularidade de Salazar resultou do facto de não ter tido o privilégio de ter nascido rico ou nobre.) E isto é um factor positivo mesmo se, como acontece às vezes, estes juízos se revelam falsos na prática porque esforço e valor são aferidos em função de critérios que nada têm a ver com o valimento e qualidade das pessoas de que se trata mas tudo com a posição social, carreira política ou força financeira dos que são assim alcandorados a posições de destaque.
Bem prega Frei Tomás; e Duarte Pio. Mas as frases do herdeiros dos Braganças (raça degenerada, na opinião de Oliveira Martins, que dizia deles que eram estúpidos e porcos) são, ou irrelevantes ou ridículas. Se eu fosse mauzinho, diria que a personalidade do pretendente é mais uma boa razão de recusar a Monarquia.
2 Comments:
Pai, a implantação da República foi no dia 5 de Outubro de 1910... Beijinhos Fia
Obrigado Sofia. Já corrigido. Deve ter sido por exagero de «dezes» nesta data. Mês 10 de ano 10 merecia dia 10. Mas está claro que foi 5... Beijinhos. Pai
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