João Luís (23 de Julho de 1956 / 3 de Fevereiro de 2008)
Passámos quase cinquenta e dois anos juntos – e de certeza mais de trinta a discutir. Nunca berrei com ninguém como contigo, nunca berraste ou berrarás agora com ninguém como comigo. Durante muito tempo, não nos demos bem: a rivalidade natural entre dois irmãos de idades muito próximas, eu, o filho mais velho, tu, o mais novo e, depois, com o nascimento do Kiko, o filho do meio. A morte do Pai, quando éramos ainda adolescentes, não contribuiu para melhorar as nossas relações: foste para um lado, eu segui outro caminho. Mas foi a morte da Mãe que nos aproximou e reuniu. E imagino o seu sorriso, João, ao pensar que nos tínhamos tornado amigos, que nos falávamos quase todos os dias, que nos ajudávamos e, milagre, que já não discutíamos. Passámos, com o Kiko, uns bons momentos juntos nestes dois últimos anos. Estavas numa fase boa, sentias-te bem, mesmo com a diálise e os problemas dos rins. Os meus filhos aprenderam a gostar de ti e recordam agora o teu feitio cáustico, a tua ironia destrutiva, nos nossos almoços nessa marisqueira de Lisboa a que nos levaste pela primeira vez. Fico tão contente, tão contente, de que a nossa reconciliação tenha permitido que a Sofia, a Inês, a Teresinha e o Diogo (e até os meus genros, Diogo e João) guardem de ti esta imagem de ternura que não teriam se tivesses desaparecido mais cedo. Eu próprio só muito recentemente compreendi o que nos unia, a nós e ao Kiko. Devemos à Mãe essa certeza de que mais tarde ou mais cedo nos aproximaríamos e que a ternura que, em sua opinião, tinha que existir entre nós viria ao de cima. Veio. Foi só pouco o tempo de a vivermos, de partilharmos esse amor. Daí a minha desolação, o meu pesar, até o meu remorso.
Se o céu existe (e, nestas alturas, dá imenso jeito pensar que sim), já terás ido esta manhã tomar a bica com a Mãe e contar-lhe as tuas intermináveis histórias. Não te alongues muito na conversa, deixa-a sossegar um bocadinho e habituar-se à tua presença. A Mãe foi a pessoa que sempre, sempre, te ouviu. Se o céu existe, como disse, ao menos estarás acompanhado.
Amo-te, meu irmão. E vais fazer-me falta. A tua vida foi complicada, dolorosa e dura (digam o que disserem, perder o Pai aos dezoito anos, é difícil!) Passaste por muito, muitas vezes por tua culpa, outras nem tanto. Mas sempre te levantaste, sempre continuaste. Eras um batalhador, um homem teimoso. Nunca deitaste para trás das costas a responsabilidade que sentias perante a Isabel, tua mulher, o Luís Maria e o Manuel, teus filhos. Nunca fugiste de batalhas e combates: sempre renasceste. Mal ou bem, enfrentando maiores ou menores obstáculos, nunca desististe! Eu não teria tido essa força...
Descansa agora, João. Um beijo. Que era a forma que tínhamos de nos despedir. Que foi a última palavra que nos dissemos quando falámos ao telefone na quinta-feira passada. Descansa, meu irmão, meu amigo.
3 Comments:
Zé Pedro
Mais uma vez as suas palavras me fazem chorar.. parece que infelizmente se especializou em epitafios nos ultimos anos....que dizer, senao respeitar essa dor, pela qual infelizmente ja passei..a irmandade que se parte bruscamente, deixando um sentimento de perca, de vazio, de solidao.. um irmao mais novo, apenas 14 meses de diferença.. e uma grande parte da memoria que com ele despareçe...agora que os pais tambem ja nao estao... E a Vida sempre a contrapor-se à morte...Uma neta a crescer, a sorrir e os filhos também eles a começaram a voarem pelas suas próprias asas... e o testumunho que mais uma vez você tem de passar, pois nao ha maneira de escapar a essa herança legada às geraçoes futuras...
Continue em frente Zé Pedro, não está sozinho e como escreveu a Teresinha no seu messenger "What does not kill, you makes you stronger..."
E a esta hora a sua Mae já está quase a dormir com a interminaveis explicaçoes do Joao Luis...e os resto fica para contar para a Eternidade...
Zé Pedro,
Só muito mais tarde soube da morte do Joao Luis e mesmo por isso não pude estar presente.Lembro-me muito de vocês e de como o meu Pai / vosso Tio Zé gostava de vos ter com ele quando vinha a Portugal.Tempos passados mas que nunca serão esquecidos!Ontem estive coma Nini , numa visita ao Julinho que está internado e soube que estavas em Bruxelas.Que saudades de todos vocês.Beijinhos grandes.Tua prima Manecas
Zé Pedro,
Só muito mais tarde soube da morte do Joao Luis e mesmo por isso não pude estar presente.Lembro-me muito de vocês e de como o meu Pai / vosso Tio Zé gostava de vos ter com ele quando vinha a Portugal.Tempos passados mas que nunca serão esquecidos!Ontem estive coma Nini , numa visita ao Julinho que está internado e soube que estavas em Bruxelas.beijinhos grandes.Tua prima Manecas
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