sábado, 8 de março de 2008

O Ministro Santos Silva e a manifestação de professores

Que o país deva a liberdade a pessoas como Mário Soares, Salgado Zenha ou Manuel Alegre, é indubitável. Mas é também justo recordar que a deve também a pessoas como Humberto Delgado, assassinado por ordem de Salazar e símbolo dum movimento popular que quase derrubou o ditador ou, para citar gente menos conhecida, como Barbosa de Magalhães, professor de Direito, arbitrariamente demitido da Universidade. Podíamos ainda citar Norton de Matos, Piteira Santos, Cunha Leal e todo um enorme conjunto de pessoas, duma ou doutra orientação política, que, na altura certa, souberam dizer «não» (e, por razões familiares, gostaria de citar o meu sogro, Ângelo de Almeida Ribeiro, bastonário e organizador do Primeiro Congresso dos Advogados Portugueses, que constituiu, em 1973, um poderoso aviso à navegação destinado a mostrar a toda a gente a impossibilidade de os advogados portugueses desenvolverem o seu trabalho em situação de ditadura). E como pode falar-se da luta contra Salazar sem mencionar os comunistas: como pensá-la sem Álvaro Cunhal, José Tengarrinha, Aboim Inglês e outros? O que fizeram, ou quiseram fazer, depois do 25 de Abril, não pode ocultar essa realidade. Em suma, ninguém, nenhum partido ou organização, tem o monopólio da luta contra o fascismo e, depois do 25 de Abril, contra o comunismo (Sá-Carneiro e Ramalho Eanes, que nem se entendiam, podiam ser facilmente citados neste último contexto).

Agora, o que espanta é que o Ministro Santos Silva (que sempre me pareceu, mas deve ser erro de perspectiva, pessoa inteligente) venha falar do combate histórico dos socialistas a propósito da manifestação de hoje dos professores portugueses. E ainda menos se aceita que venha dizer que tal gente não sabe distinguir entre Salazar e os democratas. Porque o sentido da vida e da obra de Soares, Zenha e Alegre é precisamente o de permitir que as pessoas manifestem a sua opinião mesmo quando essa opinião é contrária à do Governo ou de ministros incomodados sem correrem o risco de serem apelidados de anti-democráticos, tal como antigamente qualquer pessoa que se protestasse contra Salazar era catalogado como comunista e, durante o PREC, quem discordasse do Partido Comunista era inevitavelmente considerado como fascista.

Com toda a sinceridade (e bastante pena por as palavras terem sido ditas por Santos Silva), acho que quem não compreende o sentido da luta dos socialistas históricos é este ministro socialista.