Sonia Sottomayor e as críticas da direita americana
Se a nomeação de Sonia Sottomayor para nova associate justice do Supremo Tribunal de Justiça dos Estados Unidos está a enfurecer a extrema-direita radical do Partido Conservador (com os nomes de Newt Gingrich e Rush Limbaugh a chefiar a revolta), então ela deve ser uma excelente escolha. Neste caso, o critério de que são meus amigos aqueles com quem partilho os mesmos inimigos serve-me perfeitamente.
As críticas a Sottomayor roçam o ridículo. Gingrich chama-lhe uma racista inversa (a reverse racist) porque ela disse, uma vez, que a sua experiência de mulher latina com uma vida difícil a colocava em posição mais favorável para compreender as consequências práticas das suas decisões do que muitos homens brancos nascidos em bairros ricos. Esta afirmação, se tomada à letra, é controversa. Muitos homens (ou mulheres) brancos e ricos podem compreender melhor as dificuldades do mundo do que homens (ou mulheres) pretos e pobres – exemplo: Clarence Thomas, negro, membro do Supremo Tribunal americano, claramente pouco preocupado com a sorte dos seus compatriotas negros ou pobres. Mas o que Sottomayor pretendia dizer era simplesmente que o juiz não pode alhear-se da relevância que as suas sentenças têm sobre a vida dos litigantes. Quem o pode contestar? Outra crítica tem a ver com uma declaração sua segundo a qual os juízes (também) fazem as leis. Mas, para qualquer pessoa que perceba um pouco de Direito, isto é uma evidência: a jurisprudência surge, no Código Civil português, como fonte de direito. Ainda mais assim nos países que, como é o caso dos Estados Unidos, assentam numa forma de direito jurisprudencial, baseada na regra do precedente. Dizer no contrário é lançar poeira para os olhos dos cidadãos inadvertidos.
O problema dos conservadores (novos e antigos) é que Sottomayor representa exactamente o tipo de juíza que eles detestam. Alguém que tem dúvidas relativamente ao direito constitucional de usar armas, que votará contra a revogação da decisão Roe vs Wade, que admitiu o direito ao aborto como fazendo parte integral dum direito à privacidade que esses mesmos conservadores contestam, que considera que a Constituição dos Estados Unidos não é um texto fixo e final, gravado em pedra, devendo os juízes limitar-se a descobrir a intenção (por vezes implícita) dos seus autores históricos, como se o mundo não tivesse mudado, e que seguramente não teria votado a infame decisão que permitiu que Georges Bush fosses declarado Presidente dos Estados Unidos sem uma nova contagem dos votos na Florida. Compreende-se que se lhe oponham. Mas, para nós, que estamos do lado de cá, haverá melhor razão para nos congratularmos pela escolha de Obama?
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