sexta-feira, 8 de maio de 2009

Praga - Férias e trabalho

Praga! Eu, e milhões de outros turistas. No primeiro dia, quinta-feira da semana passada, cansado de me ter levantado demasiado cedo, só me apetecia fugir. Mas depois habituei-me às ruas da capital checa e fugi dos destinos turísticos mais evidentes. Em Praga, é essencial utilizar os transportes públicos: eléctrico e metro. Os chauffeurs de táxis são particularmente desonestos (excepção: a cadeia AAA). Mas, depois de nos habituarmos à cidade, é difícil não ceder ao seu charme. Um exemplo: as vendas públicas de bilhetes para concertos nas mais variadas igrejas, palácios ou casas municipais. Fui a dois: alguma desilusão porque, em salas que dariam para algumas centenas de pessoas, só se encontravam trinta, no máximo, e metade desses trinta eram japonesas que aplaudiam a torto e a direito. Visitei o Museu Kafka e almocei num winebar lá perto, bastante agradável por sinal e claramente não destinado aos turistas que se sentavam, alguns metros mais longe, nas esplanadas junto da Ponte Charles. Andei a pé, em média, cinco horas por dia.

A reunião, em Tábor, na Boémia do Sul, correu bastante bem. A conferência foi moderada por uma sueca lindíssima, Maria Borelius, que detém, no seu país, o recorde da ministra que menos tempo esteve em funções: apenas oito dias. Foi forçada a demitir-se depois de reconhecer que não tinha pago os impostos devidos pela babysitter que contratara para tomar conta dos filhos. E apenas agravou o seu caso quando disse que não conseguiria suportar os encargos financeiros daí decorrentes: com efeito, ela e o seu marido ganhavam mais de um milhão de euros por ano e isto sem contar a sua fortuna pessoal, que era bastante. Mesmo assim, gostei imenso dela. Ajudei-a a preparar a conferência e fui recompensado (?) por uma pergunta que me fez sem me prevenir diante de toda a assistência! A sua prestação foi extraordinária. Sem medo de interromper os oradores, colocando questões cheias de bom senso, recusando aceitar o género de conversa e de calão próprio de políticos e funcionários comunitários, Maria transformou o que teria sido uma conferência tradicional, chata e sem interesse, num debate vivo e agradável. Só não o pôde fazer com a minha comissária, a inefável Madame Hübner, polaca de origem, porque uma das suas assistentes a proibiu formalmente de interromper o discurso. E, com isso, todos perdemos: e principalmente a Comissária, que leu um papel preparado, sem graça nem garra.

Fica aqui, neste primeiro bilhete de Praga, a imagem do monumento às vítimas do comunismo e da placa que se encontra a seu lado. Extraordinária construção escultural que representa a forma como o totalitarismo devorava (literalmente) a personalidade humana. Do homem em primeiro plano, desaparecem pedaços do corpo até que ele se tranforma em nada (e é difícil não pensar em Milosz e na sua «La pensée captive»). Mas, ao mesmo tempo, se a olharmos de trás para a frente, trata-se ainda de uma parábola da ressurreição: o corpo que do nada se refaz. Um monumento particularmente comovente. Da mesma forma, o texto da placa comemorativa transporta-nos para uma época que fez parte das vidas dos países do lado de lá da cortina de ferro e que se saldou pela enorme explosão de liberdade que constituiu a queda do Muro de Berlim. É importante compreender que a lembrança do totalitarismo se encontra ainda presente nos espíritos destes povos que o sofreram durante mais de quarenta anos. Isso foi muito claro nas diversas intervenções na conferência, cujo tema era, aliás, «Vinte anos depois da queda do Muro; Cinco anos depois do alargamento». Há uma espécie de medo de um regresso ao passado, de um sentimento de que nem tudo está ainda ganho. Daí, algumas das reacções que nos parecem incompreensíveis, mesmo a nós que sofremos a ditadura de Salazar, omeadamente quando se fala das relações com a Rússia.

Em suma - e haverá mais bilhetes sobre Praga - uma viagem bastante agradável, pessoal e profissionalmente.