Certos empresários portugueses – e a crise
O patrão da Jerónimo Martins, um senhor que se chama Alexandre Soares dos Santos, afirmou hoje, a propósito da proposta de José Sócrates de aumentar os impostos sobre os ricos para distribuir aos pobres, que a actual crise está a ser agravada pela «demagogia que o senhor primeiro-ministro está empregando neste momento (e que) é absolutamente intolerável». Mais grave ainda, segundo o mesmo senhor, seria o facto de termos um Parlamento que nada discute e nada controla. Mais moderado e inteligente, Philippe de Botton, outro empresário conhecido e membro do Compromisso Portugal, afirmou não ser contra um aumento de impostos sobre os rendimentos mais elevados, limitando-se a afirmar que, para corrigir a actual situação económica, são necessárias medidas que produzam efeitos imediatos – e que o aumento de impostos nunca seria eficaz antes de 2010.
Podem criticar-se as opções de política económica do Primeiro-Ministro e considerar ineficaz o conjunto de respostas à crise propostas pelo Governo. Mas por que raio será assim tão escandalosa uma correcção limitada do sistema fiscal, desonerando os que ganham menos e agravando a contribuição dos que mais recebem, entre salários, bónus e outros benefícios diversos (como a garantia de reformas elevadas)? De um ponto de vista meramente económico, parece fazer algum sentido: as pessoas de menores rendimentos terão tendência a consumir o que ganharem a mais enquanto as mais ricas se encontram em fase de poupança (e, no caso dos empresários, de despedimentos) – ora, aumentar o consumo parece uma medida razoável, se bem que, por si só, insuficiente, de combate à crise. Mas, ainda que fosse uma medida errada, esgrimir contra ela esta forma de terrorismo verbal só mostra que, mesmo na situação de crise actual por que é a principal responsável, a chamada elite económica e financeira não vê com bons olhos que lhe toquem nos seus privilégios. Ganhar quando o mercado vai bem, continuar a ganhar quando o mercado vai mal. O problema não é que José Sócrates vá demasiado longe, o problema é que nunca compreenderá que não percorreu nem vai percorrer nem metade do caminho necessário. Em 1933, Franklin Roosevelt disse aos americanos ricos que deviam compreender que o país exigia deles sacrifícios – e, mesmo assim, que esses sacrifícios não eram, nem de perto nem de longe, comparáveis aos que eram impostos às famílias pobres ou da classe média. Mas a simples referência a Roosevelt mostra a que distância se encontra José Sócrates dum homem político com dimensão e personalidade – e leva-nos a compreender a qualidade do debate político no nosso torrão lusitano: o único aspecto em que Soares Santos tem razão é quando fala da total irrelevância do Parlamento. Mas é tudo isso que leva alguns dos empresários a sentirem-se à vontade para dizer este e outros tipos de asneiras.
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home