O Tribunal da Boa-Hora
Em Julho próximo, o Tribunal da Boa-Hora sai da Baixa de Lisboa para o Parque das Nações. O Governo decidiu concentrar a maioria dos serviços judiciais da capital no chamado campus da Justiça (sem relvados, ao contrário dos campus das principais Universidades americanas), um bloco de escritórios situado na zona da Expo.
Tem-se levantado vozes contra esta decisão, considerando que a Boa-Hora tem um significado simbólico porque nela se realizaram os principais julgamentos políticos do Antigo Regime e funcionaram os nefandos tribunais especiais encarregados de perseguir os opositores à Ditadura. Sinto-me tocado por este argumento mas julgo que a posição governamental faz todo o sentido.
De há muito que a Boa-Hora deixou de preencher os requisitos mínimos de decência (e a palavra não é muito forte) que são exigíveis num Tribunal. Há uma imensa promiscuidade entre réus, testemunhas, advogados e magistrados, alguns sentados lado a lado e todos obrigados a passarem pelos mesmos corredores. As casas de banho disponíveis para o público são indescritíveis, pela exiguidade das instalações e pela falta de asseio. Nos dias de calor, não pode nem abrir-se a janela nem usar-se o ar condicionado, porque o barulho da rua ou dos aparelhos impede a gravação das audiências; nos dias de frio, é assistir a juízes, advogados e funcionários embrulhados em pesados sobretudos, sobre os quais, atabalhoadamente, colocam as togas. Os réus e as testemunhas, esses, que se acautelem porque se vão para lá convencidos de que aquele local é aquecido passarão o tempo a tremer!
Poderia, talvez, encontrar-se um destino para o edifício que o conservasse como local de memória: uma espécie de Museu da Resistência. (Já se falou disso a propósito da antiga sede da PIDE). Mas o mais certo será, como afirmou o Secretário de estado da Justiça, na sua enorme sabedoria e candura (aliás, comum, neste Governo), que, como tantos outros antigos conventos, tudo aquilo acabe transformado em hotel ou condomínio de luxo. Mas isso deve-se às (más) finanças do Estado e da Câmara – e não é razão para obrigar todos aqueles que agora utilizam o Tribunal a continuar a trabalhar em condições degradantes.
Resta saber se o novo espaço é adequado. Já se ouvem algumas críticas: falta de estacionamento privativo (juízes atrasados para as audiências à procura de lugar para o carro!); falta de refeitório; inexistência de entradas próprias para os juízes nas salas de audiência, etc.. Tudo isto resulta de se tratar de um edifício de escritórios que não foi construído, de raiz, para acolher tribunais. Mas, sejam quais forem os seus defeitos, é impossível que a nova localização não constitua um progresso relativamente à Boa-Hora. Quanto a esta, requiescat in pace!
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