segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Europa, Entropa e Presidência Checa

A história é simples. A República Checa encomendou a David Cerny, um artista dessa nacionalidade, uma obra que representasse a União Europeia e a sua Presidência checa durante este primeiro semestre de 2009. Cerny deveria contactar artistas dos 27 países da União Europeia para construir uma obra colectiva. O resultado, que o artista denominou Entropa, para alguém que vive em Bruxelas desde há 20 anos e assistiu ao nascimento deste edifício do Conselho de Ministros – uma das construções mais mirabolantes do quarteirão europeu desta cidade que tão maltratada foi, do ponto de vista arquitectónico, pelas instituições europeias – nem é desastroso. Mas Cerny esqueceu-se simplesmente - ou nunca teve a intenção - de contratar artistas doutras nacionalidades. Inventou nomes! John não sei quê para os ingleses; e suponho que José qualquer coisa para o português! Em suma: foi ele que fez tudo. E lá se vai a diversidade cultural tão do agrado dos nossos dirigentes.

O que me espanta é que estejam todos admirados. Se pensassem um minuto, deveriam saber que era quase impossível, para quem quer que fosse, contratar artistas dos vinte e sete países europeus a tempo de construir uma obra decente. Mas isso é o que se passa quando certos burocratas se decidem a promover a arte! Melhor fora que se limitassem a defender o património artístico europeu, que está num vergonhoso estado de degradação.

Enfim... uma (des)graça. O pobre Cerny não se livra dum processo, a Presidência Checa e a União Europeia duma vergonha... Mas, a avaliar pela fotografia, a obra de Cerny nem é particularmente feia. Valha-nos isso.

Adenda:
Já depois de ter escrito este artigo, li a crónica de Miguel Gaspar no Público de hoje, que traz alguns esclarecimentos engraçados a esta polémica. (Devo dizer que acho as crónicas de Miguel Gaspar normalmente muito interessantes – e um claro progresso em relação ao que nos oferecia (?) Helena Matos, que me dava, no entanto, bastante mais oportunidades de comentar alguns evidentes disparates...) Mas, voltando a Miguel Gaspar e à obra de Cerny, fiquei a saber que Portugal, ao contrário do que pensava, não foi representado por um José qualquer mas por uma Carla de Miranda – e que «a contribuição nacional é um bife em cima do qual aparecem o Brasil, Angola e Moçambique representando o colonialismo como o nosso estereótipo.»

Por outro lado, fiquei também a saber que Cerny sempre assumiu que a verdade iria ser descoberta e que devolverá o dinheiro recebido. E só posso concordar com a conclusão de Miguel Gaspar, que transcrevo na íntegra: « Fraude, escândalo, exclamam os bem-pensantes. Mas eu acho que a presidência checa, por uma vez, errando até acertou. Entropa é não só uma caricatura divertida da Europa como é uma obra de arte legítima. Questionou a identidade europeia através de uma provocação. Fê-lo também sendo uma fraude, por ter uma identidade falsa. O ideal de liberdade que a Europa representa exige que Entropa fique onde está até ao final da presidência checa da UE.»

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

E com "conhecimento de causa" que posso falar deste ultimo "escandalo" no Conselho. Passo por la todos os dias.
Três palavras que me parecem importantes no seu comentario:
caricatura, liberdade e sobretudo provocaçao.
Nunca nenhuma obra de arte, no quadro das presidencias rotativas causou tanta polemica. Grupos de pessoas param embasbacadas, tiram fotografias, comentam, trocam opinioes encaloradas. O hall principal do Conselho de Ministros virou praça publica!
O artista com a sua "fraude" consegui um golpe de mestre em termos pessoais. A obra nao é de facto representativa de uma Europa vista por 27 artista nacionais, mas apenas por tres checos numa leitura muito pessoal e sobretudo provocatoria.
Pour la petite histoire: o Reino Unido nem sequer aparece representado, o que em si é revelador, a França tem um enorme painel a dizer "en grève" e a Bulgaria foi talvez a que se sentiu mais ofendida pois tinha como objecto as "toilettes turques" - alias as autoridades nacionais decidiram cobrir o mapa com um enorme pano preto...
Acho que o objectivo foi conseguido, e a Presidencia Checa será para sempre lembrada, à falta de melhor iniciativa comunitaria,através desta obra tao controversa! Que bom acordar tanta gente adormecida!

21 janeiro, 2009 16:57  

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