As confissões de Günter Grass
Günter Grass é um grande escritor alemão, tendo recebido o Prémio Nobel de Literatura em 1999. Entre as suas obras mais conhecidas, encontra-se «O Tambor», adaptado ao cinema por Volker Schlondorff, num filme que recebeu Óscar do melhor filme estrangeiro em 1979.
Ao mesmo tempo, Günter Grass era considerado como uma espécie de consciência moral da Alemanha, tendo por várias vezes exortado os seus compatriotas a «confessarem» e «fazerem as contas» com o passado nazi. Militou em vários movimentos de esquerda e chegou a criticar certas posições centristas dos sociais-democratas alemães, nomeadamente quando estes se mostraram favoráveis à reunificação.
Por isso, a sua última entrevista, publicada a 12 de Agosto no «Frankfurter Allgemeine Zeitung», constituiu um choque profundo. Nessa entrevista, Günter Grass confessa, pela primeira vez, que tinha militado nas Waffen SS, a força de combate das SS cujos membros adquiriram a fama de combatentes fanáticos e que, depois da guerra, foi declarada em Nuremberga como uma organização criminosa. Este reconhecimento do passado precede a publicação da sua autobiografia, com o título sugestivo de «Descascando a Cebola», prevista (na Alemanha) para Setembro próximo.
Günter Grass tinha 17 anos quando foi integrado nas Waffen SS. Assim, não é tanto o facto em si que nos perturba, mas o silêncio do escritor durante mais de sessenta anos. Principalmente quando se trata, como é o caso, de alguém que não hesitava em dirigir críticas aos seus compatriotas por não «assumirem» o seu passado nazi. Um dos seus biógrafos, Michael Jürgs, fala mesmo no «fim de uma instância moral».
A sensação que resta de tudo isto é de decepção e de amargura. É ridículo pedir a Günter Grass que renuncie ao Prémio Nobel que lhe foi dado pela sua obra literária – que não desaparece nem perdeu, de súbito, qualidade. É provavelmente escusado solicitar-lhe que devolva a medalha de ouro da cidade polaca de Gdansk, onde nasceu quando a cidade se chamava ainda Danzig e fazia parte da Alemanha.
Mas custa a compreender porque Günter Grass não aproveitou tantas e tantas oportunidades para desvendar o seu segredo e, afinal, porque só agora o fez. Podia tê-lo feito, nomeadamente, em 2002, por altura da publicação do seu livro «O Caranguejo», que relata o naufrágio do navio alemão «Wilhelm», que transportava refugiados alemães, e chama a atenção para o sofrimento da população civil alemã durante os anos do imediato pós-guerra. Ou, ainda antes, em 1985, quando Kohl e Reagan se deslocaram a Bitburg, um cemitério onde repousam alguns membros das Waffen SS, numa cerimónia que despertou – com razão – polémica e controvérsia.
Nem todos somos puros. Longe disso – e ainda bem! Mas é triste verificar que os mais puros de entre nós o são ainda menos e, principalmente, suspeitar de que tudo isto não passe de um simples acto de vaidade ou de uma manobra publicitária, através dos quais um escritor envelhecido tenta dar novos galões de nobreza um novo livro. Que pena!
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