Um quadro de Rafael
Descobrir, nos nossos dias, um quadro de Rafael de Urbino que não faça parte duma colecção pública ou privada é uma situação excepcional. Por isso, não admira que o Retrato de Lorenzo de Medicis, esta semana leiloado na Christie’s de Londres, tenha atingido o preço de 27,4 milhões de euros, um valor recorde para uma obra deste pintor renascentista, que Vasari considerava o maior de todos.
Rafaello Sanzio ou Santi nasceu em Urbino em 1483. Orfão muito cedo, é educado por um tio e, aos dezasseis anos, ainda em Urbino, entra no atelier de Perugino como aprendiz. Entre 1504 et 1509, vive em Florença, onde descobre Leonardo de Vinci et Miguel Ângelo. Instala-se depois em Roma e torna-se o pintor favorito do Papa Júlio II, o mesmo que encomenda a Miguel Ângelo os frescos da Capela Sixtina. Participa na decoração do Palácio do Vaticano e morre jovem, com 37 anos, em 1520. Entre os seus quadros mais célebres, destaca-se
A Escola de Atenas, em que sábios clássicos (Platão, Aristóteles, Pitágoras, Euclides, por exemplo) são representados sob traços que fazem lembrar homens modernos, como Leonardo, Miguel Ângelo ou Bramante, como que a sublinhar a continuidade entre a Antiguidade e o Renascimento.
Por sua vez, Lourenço de Medicis, duque de Urbino, descendente da famosa família de mercadores e banqueiros florentinos (mas não confundir com Lourenço o Magnífico, de quem era neto), sobrinho de Leão X (que precedeu Júlio II, que o detestava), foi governador da cidade de Florença. O tio contratou-lhe o casamento com uma fidalga francesa, Margarida de la Tour d’Auvergne, prima de Francisco I, rei de França. Desse enlace, nasceu Catarina de Medicis, que viria a casar com Henrique II, filho de Francisco I, e também rei de França depois da morte do primeiro em 1547. Contudo, o reinado de Henrique II dura pouco mais de dez anos já que o rei morre acidentalmente em 1559, ferido por um escudeiro num combate simulado integrado no grande torneiro que comemorava o casamento de sua filha Isabel com Filipe II de Espanha, I de Portugal. Catarina de Medicis foi várias vezes regente de França em lugar dos seus três filhos que sucessivamente ascenderam ao trono e morreram sem descendência, num século conturbado que ficaria conhecido, na história desse país, como o século das Guerras de Religião.
O quadro de Rafael foi provavelmente pintado com vista a esse casamento já que, como era costume, os noivos nunca se teriam encontrado antes da boda. A Christie’s afirma que, no retrato, Lourenço tem na mão esquerda uma miniatura da sua futura mulher.
A autenticidade do quadro não é hoje disputada. É referido num inventário dos bens de Cosme de Medicis e, no século XIX, faz parte do espólio de dois dos mais importantes coleccionadores do tempo: Lord Northwick e o negociante de arte Hollingworth Magniac. Um perito da Renascença Italiana, Sir Charles Robinson (1824-1913), autentifica-o no início do século XX e mais recentemente, em 1971, o Professor Konrad Oberhuber, outro especialista renomado, pronunciou-se também pela autoria de Rafael.
Ira Spanierman, o vendedor do quadro, não fez mau negócio. Comprou-o em 1968 por 325 dólares e vendeu-o agora para, segundo afirmou, poder ainda beneficiar dos lucros do seu (magro) investimento. O quadro só foi, com efeito, autentificado depois da compra e Spanierman teve a sorte de o ter comprado num país que não prevê a anulação do contrato quando se descobre posteriormente o valor anormal do objecto vendido.
E o preço, se bem que elevado, deve ser relativizado. Para quadros de época mais ou menos comparável, o recorde é ainda detido por Rubens (49,5 milhões de libras, em 2002.) Mas estamos ainda a milhas de distância dos recordes obtidos nos últimos anos por quadros modernos ou contemporâneos: 135 milhões de dólares por um Klimt, em New York, Novembro de 2006, ou 72,8 milhões de dólares por um Rothko, muito recentemente em Maio de 2007.
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