terça-feira, 3 de julho de 2007

Terrorismo no Reino Unido














As recentes tentativas de atentados em Londres e Glasgow, cuja concretização a polícia britânica, num misto de sorte e eficácia, conseguiu evitar, colocam problemas particulares. Nos últimos tempos, o Reino Unido tínha-se habituado à ideia dos terroristas vindo de within – acções cometidas por cidadãos britânicos, embora de ascendência árabe, paquistanesa ou indiana. Os terroristas envolvidos nos acontecimentos da passada semana são estrangeiros. São indivíduos com formação universitária (médicos na maior parte) que se encontram no Reino Unido, como emigrantes legais, para formação ou para colmatar as deficiências em pessoal que afectam o sistema de saúde britânico. Assim, como primeira e imediata consequência do que se passou, é de temer que aumente o rigor das políticas de imigração dos Estados membros da União Europeia, que não se caracterizam já por grande abertura.

Um segundo comentário tem a ver com a ligação entre estes actos (felizmente falhados) e o envolvimento britânico no Iraque. Assim como seria ingénuo negar qualquer ligação entre as duas situações (é evidente que o Reino Unido se encontra, em comparação com outros países do mundo, numa situação de maior vulnerabilidade face às ameaças terroristas e que esta situação decorre da política iraquiana de Tony Blair), será perigoso retirar daí conclusões apressadas quanto, por um lado, à justificação (se se pode utilizar esta palavra!) de tais actos ou, por outro lado, a uma eventual correcção das orientações do governo britânico nesta matéria.

A verdade é que nada nunca justifica nenhuma forma de terrorismo. O terrorismo faz cair sobre pessoas inocentes, de forma brutal e indiscriminada, os custos das opções políticas de governos e grupos políticos. Isto não significa que não devamos prestar atenção às suas causas, já que isso até nos ajudará a combatê-lo mais eficazmente. Significa apenas que procurar as causas não é equivalente a procurar justificação ou desculpa. Entre as causas, em particular, é evidentemente preciso não esquecer que o Ocidente (e os Estados Unidos em particular, se não fosse a política disparatada de Bush) tem um papel fundamental relativamente à mais importante questão que envenena as suas relações com o mundo árabe: a questão palestiniana. Aliás, só os Estados Unidos podem exercer pressão sobre Israel para que este país aceite uma solução do conflito que permita que os palestinianos construam um Estado viável em parte da terra que consideram como sua. Neste sentido, a nomeação de Tony Blair como enviado especial do Quarteto para o Médio Oriente, composto pela Rússia, Estados Unidos, União Europeia e ONU, só pode ter sido entendida pelo mundo árabe (mesmo se os governos árabes – por oposição à população – a receberam com enganadora aprovação, e mesmo assim uma aprovação claramente forçada) como uma provocação. Para além das suas responsabilidades no conflito iraquiano, é preciso não esquecer que, aos olhos do mundo árabe, Blair se encontra totalmente desacreditado por ter sido o único político europeu a colocar-se ao lado de Israel em relação à recente intervenção militar deste país no sul do Líbano. Para mim, estes atentados têm muito mais a ver com esta nomeação do que a ascensão de Gordon Brown ao cargo de Primeiro-Ministro.

Isto posto, não é em resposta a actos ou ameaças terroristas que deve ter lugar uma alteração nas orientações de política externa de qualquer país. Se mudança deve haver – e eu creio que ela se impõe, embora de forma que tenha em conta a situação entretanto criada, o que significa que uma retirada unilateral e imediata das tropas estrangeiras estacionadas no Iraque apenas poderá conduzir a mais caos e confusão, impondo-se provavelmente o anúncio duma data limite para a intervenção acompanhado de um plano de estabilização do país (muito, muitíssimo, mais fácil de escrever do que fazer mas também não é a mim que compete estabelecer essas orientações) – ela deve ser pensada num ambiente de tranquilidade evidentemente incompatível com a pressão exercida por esses actos ou tentativas. Gordon Brown deu um exemplo dessa serenidade indispensável ao recusar-se a aproveitar os atentados para impor legislação restritiva em matéria de direitos humanos e especialmente dos direitos de defesa dos acusados em processos de terrorismo. Ele disse que, neste momento, o que importava era investigar plenamente as acções que tiveram lugar em Londres e Glasgow e não beneficiar do clima de apreensão para fazer passar, à pressa, qualquer tipo de legislação – com fizeram nos Estados Unidos com o Patriotic Act. (Com esta atitude, Gordon Brown marcou aliás, numa só frase, a sua diferença face ao seu antecessor, que nunca teria resistido a aproveitar uma ocasião favorável para prosseguir os seus objectivos.) A mesma atitude de prudência deve ser tomada em relação à reconsideração da estratégia britânica face ao problema iraquiano: é matéria que tem que ser decidida mas em seu devido tempo.

E entretanto esperemos que o inquérito em curso, que parece estar a ser conduzido com particular eficácia (embora eu já tenha ouvido dizer que, se os britânicos, beneficiando do número inacreditável de câmaras de vigilância que existem no Reino Unido, são particularmente eficazes nas investigações ex-post, o são muito menos em matéria de prevenção - o que é motivo de preocupação) nos leve a compreeender melhor a organização das redes terroristas que nos ameaçam e consequentemente a combatê-las de forma mais enérgica.