Eduardo Prado Coelho (1944-2007)
Ainda em Lisboa, por entre malas e últimas compras a fazer, surgiu-me a notícia da morte de Eduardo Prado Coelho. Não o conhecia, excepto, como a maioria dos portugueses, pelas suas crónicas no Público, sob o título O Fio do Horizonte, e por outras intervenções duma vida que não se passou no anonimato. Sempre hesitei, ao apreciá-lo, entre a irritação por uma certa arrogância (mas sempre doce) e a admiração por aqueles momentos em que, parecendo deixar-se ir, nos regalava com crónicas transbordantes de sentido de humor. Para mim, era nesses instantes, em certos comentários a um quotidiano de que ele sabia apreciar os momentos tantas vezes ridículos, que melhor se notava o seu talento. Homem de talento mas não homem de génio? Que importância tem isso? Nestes momentos, emociona-me o exemplo de uma vida cumprida e a tristeza sentida por aqueles com quem a viveu.
Eduardo Prado Coelho deixa, segundo quem sabe dessas coisas, uma obra crítica importante, de que o exemplo que melhor conheço é o seu longo prefácio à edição da poesia completa de David Mourão-Ferreira. Mas principalmente, numa época em que isso se torna raro, deixa um espaço vazio: o espaço de um intelectual, de um homem de cultura e de convicções. No deserto de ideias em que se transformou Portugal, ao menos, com todos os seus defeitos, com alguma estridência e com boa intenção, tinha algo para nos dizer, algo com princípio, meio e fim, produto de reflexão bem estruturada – a comparar com a maioria da gente que agora se considera pronta para escrever em jornais e de que pude ler, durante o Verão, os textos inanes, esperando apenas, mas sem convicção, que a (falta de) qualidade fosse apenas uma consequência do tempo quente e da silly season. Por isso, de Prado Coelho, vai assim fazer-nos falta a crónica no Público – que nos apetecia ler mesmo que fosse para podermos dizer que não concordávamos com o que ele para ali dizia.
E aqui fica o poema que lhe dedicou Vasco Graça Moura, seu amigo, por vezes seu adversário, lido no enterro.
quando morre um amigo não se sabe o que se há-de dizer,
só que nos faz muita falta, que gostávamos da sua
presença, de saber que nos trazia uma relação diferente
com o mundo e connosco e que também isso
era inquietação, conhecimento e alegria. e há-de ser
sempre duro e difícil aceitar
que a voz que ele tinha, os gestos que fazia,
os seus encantamentos, até as suas manias, a sua maneira de andar,
ficam só na memória entre outras sombras e silêncios.
a vida continua, sim, o mundo continua,
todos dizemos isso e sente-se uma precária segurança,
uma surda música de alívio porque não é ainda a nossa vez,
e continuam os rios e os mares, as nuvens e os continentes,
as derivas da história, as coisas do dia-a-dia,
mesmo que um amigo morra, e continuam
os homens e os seus conflitos, e continuam
as coisas mais belas e as mais sórdidas, as mais pungentes e as
que nos marcam a esperança, mesmo que morra
um amigo que não voltaremos a ver e se tenha tornado
apenas uma íntima presença.
nós pressentimos tudo isso porque temos
de agarrar-nos a qualquer coisa, e ainda mais
quando morre um amigo e nos vem a certeza
de que uma parte de nós, do que nos explica, do que é
a nossa geração morre com ele.
(Vasco Graça Moura, 2007)
1 Comments:
Lindo este etipáfio do GVM a EPC! Quem nao gostaria que lhe fossem lidas tais palavras no seu proprio funeral? Ninguém, digo , pois "il n'y a pas de belle mort".. Morrer é uma perca de tempo.
Consola-me a ideia de que a morte é apenas uma passagem "para a outra margem".
E que de facto os "nossos mortos" ficam sempre comnosco, até ao nosso último suspiro...
Quanto ao Eduardo Prado Coelho, pouco sei da sua obra. Apenas me recordo de ter sido aluno de Francês da minha avó Edmée. E que as explicaçoes se terminavam sempre com um pequeno Cinzano no "salon"!
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