Luciano Pavarotti (1935-2007)

Mas depois, perante o conjunto de artigos que li a propósito da morte do Maestro, a minha reacção crítica atenuou-se. Em primeiro lugar, porque não é Pavarotti, longe disso, o responsável, muito menos o principal responsável, pelo declínio da ópera e do canto clássico. A verdade é que já não há compositores de ópera pelo que os intérpretes se vêem limitados a um reportório que, mesmo quando encanta alguns, não evolui nem oferece qualquer atractivo novo, excepto para uma pequena mão-cheia de conhecedores e apaixonados. Neste sentido, a ópera encontra-se mesmo em pior posição do que música clássica em geral. O último compositor de ópera verdadeiramente popular foi Mascagni, que morreu em 1945; o último verdadeiramente genial, Puccini, desaparecido em 1926. Poulenc morreu em 1963, Nono em 1990. Não seriam populares mas tinham, pelo menos, o mérito de existirem e a sua obra é, em termos musicais, inovadora e reconhecida. Na ópera, nem isso.
Assim, Pavarotti decidiu abandonar os horizontes fechados dos principais teatros de ópera europeus, que comparava a «maisons-close» (francês para bordel), e usar a sua voz magnífica para atingir o grande público. Com Domingo e Carreras, organizou esses concertos dos três tenores que se degradaram ao longo dos tempos mas de que o primeiro, em Roma, em 1990, ainda apresentava alguma qualidade. Depois, encetou, por assim dizer, uma carreira a solo, em que se fez acompanhar por músicos modernos: Elton John, Bono, Sting cantaram com ele... A partir daí, a sua carreira assentou quase exclusivamente nesse tipo de grandes espectáculos que o tornaram riquíssimo e, pouco a pouco, foi-se distanciando das salas de ópera (se bem que o início da doença também tenha contribuído para esse afastamento) ao contrário, por exemplo, de Placido Domingo, por exemplo, que nunca abandonou a sua actividade de cantor e maestro e assumiu riscos, como, por exemplo, em 2001 (Paris) o de cantar o papel de Parsifal na ópera de Wagner. Os discos recentes de Pavarotti mostravam-no a cantar canções napolitanas e algumas áreas conhecidas e de sucesso fácil como La Donna é mobile ou Nessun dorma (o que não significa áreas fáceis: Nessun Dorma de Turandot (Puccini) é tudo menos fácil). Só que cantava tudo isso de forma magnífica e como ninguém. Quando soube da sua morte, ouvi o seu Torna a Sorriento (Curtis). Muito bem: é uma canção napolitana, uma canção popular, ligeira, um divertimento... Mas, na sua voz, é ainda algo de sublime. Mesmo Volare cantado por ele nos transportava para um mundo diferente. Dizem que a música é um dom dos Deuses. Hermes e Apolo ofereceram-nos a lira. O canto será assim (como a poesia) a forma de os homens se dirigirem aos Deuses. Nesse diálogo, Pavarotti era o nosso intérprete, o nosso tradutor simultâneo.
Mas, nos últimos tempos, sua capacidade de construir um papel – e a ópera é teatro e música e não apenas teatro – tinha quase desaparecido

Para o lembrar, o melhor é voltar a essa época, dos seus primeiros passos, no início da década de sessenta quando apareceu, triunfante, genial. Penso que a primeira vez que dele se ouviu falar a sério foi em 1963, quando substituiu Di Stefano (o comparsa de Callas), no papel de Rudolfo na La Bohème de Puccini. Em disco, pode começar-se pela gravação que fez dessa ópera, dirigido por Karajan e acompanhado por Mirella Freni. Há ainda uma gravação do Requiem de Verdi, com Karajan, que não ouvi mas que dizem ser excepcional. (Eu tenho um disco em que canta o Stabat Mater, de Rossini, com voz gloriosa, mas o resto, maestro e cantores, não se encontra à altura.) Depois, há um conjunto de gravações com Joan Sutherland,dirigido por Richard Bonynge. Fundamentais são as principais obras de Donizetti: Lucia, certamente, mas antes de tudo, L’Elisir d’amore e La Fille du Regiment.

Gostaria de terminar dizendo que era um homem simpático. Gostava da sua terra e a gente de Modena gostava dele. O seu sentido de humor era proverbial, com a a graça dum homem gordo, popular, enfiado num grande corpo que, no fim, se transformou em «grand corps malade». O Presidente da Itália disse, singelamente, que Pavarotti honrou o seu país e que era normal que o seu país lhe prestasse honras também. Não queria ninguém de preto no seu enterro que desejava alegre, sem lágrimas ou choros. Por isso, deixo aqui ao lado esta caricatura que o mostra como era: um homem grande. Requiem in pacis.
1 Comments:
Uma voz, um corpo, uma figura colossal.. Levou a opera e o bel canto às pessoas da rua. Tocou pela sua simplicidade, pelo seu lado genuino e generoso.
La voix avec l'intelligence du coeur...
Enviar um comentário
<< Home