sábado, 8 de setembro de 2007

O desaparecimento de Madeleine McCann

Nunca falei aqui sobre o desaparecimento de Madeleine McCann porque acho que, nestas situações, devemos deixar que se desenvolva em clima de total tranquilidade o curso das investigações policiais. Mas os acontecimentos destes dois últimos dias indignaram-me. Sei bem que os jornais e a populaça actuam como cata-ventos, ao sabor das emoções provocadas por notícias, boatos ou pura maledicência. Mas, mesmo tendo isso em conta, o que se passa agora em Portugal é repugnante.

Não consigo compreender como toda a gente acha normal que a Polícia Judiciária, numa primeira fase das investigações, não se tenha preocupado com a possibilidade da morte da criança e tenha concentrado todos os seus esforços na hipótese de rapto. Não está ainda provado que Madeleine tenha sido morta no apartamento da Praia da Luz que ocupava com os pais (embora seja cada vez mais difícil esperar que se encontre ainda viva.) Mas, sabendo-se da importância de uma análise exaustiva das cenas de crime (porque os indícios têm tendência a desaparecer e a passagem do tempo traz evidentes prejuízos à investigação), como é possível que, na altura, ninguém tivesse pensado em mandar analisar, se é que foi sequer procurado, o sangue que agora foi, segundo se diz, identificado nos laboratórios ingleses como pertencendo a Madeleine? E o que vêm fazer ao caso manchas de sangue se, ao mesmo tempo, se diz que a criança terá morrido dum excesso de calmantes ou comprimidos para dormir? Principalmente, o que aconteceu ao cadáver? (Fizeram-se, ao que me lembro, buscas aturadas nos dias imediatamente seguintes ao desaparecimento da criança; mas, se não foram feitas, o escândalo é maior ainda.) Se Madeleine foi morta acidentalmente pela mãe, como parece pretender a polícia, o que foi feito do corpo? A Praia da Luz não é assim tão grande, os McCann não deviam conhecer perfeitamente o local, o tempo não abundou. Continuo, por enquanto, a não acreditar no seu envolvimento na morte da filha. E pergunto-me ainda, se eram efectivamente culpados, porque continuaram em Portugal?

Por outro lado, e mesmo a confirmar-se que a morte da criança foi um acidente (ao que parece, não se acredita que tenha sido intencional) que Kate e Gerry McCann teriam escondido, é isso razão para a inacreditável atitude da populaça que, depois de chorar com os pais (às vezes, em lugar e vertendo mais lágrimas do que o casal inglês), vem agora apupá-los e vaiá-los, pronta a linchá-los na praça pública? Li mesmo que uma das mulheres que assim a enxovalhava teria estranhado a ausência de reacção de Kate, que vinha, recordemo-lo, a sair duma audição durante a qual tinha sido considerada suspeita da morte da filha, acrescentando que, «se fosse comigo», choraria baba e ranho e se lamentaria, acrescento eu, em gritos esganiçados e rugidos de raiva para toda a gente ouvir e comungar da sua dor. Essa atitude de ralé, perante a qual até as televisões portuguesas, quase sempre à procura da notícia sensacionalista, mostraram algum pudor (pelo menos, nas imagens que vi aqui em Bruxelas), mete-me nojo. Passará pela cabeça desses que gritam o indizível sofrimento que, a ser verdade tudo isso, e repito que ainda não sabemos se é, deve ter assomado os McCann para os levar a essa atitude de negação e ao pesadelo quotidiano da impossibilidade de iniciarem o processo de luto? Mesmo que tenham sido culpados de ocultação de cadáver, e principalmente se foram culpados, por negligência, da morte da filha, a nossa atitude perante eles (para além, evidentemente, de deverem sujeitar-se às penas que ao caso couberem) não deveria ser antes de profunda compaixão. Não de desculpa certamente, mas de aflita piedade?

Anda gente demais a falar neste assunto! (Por culpa, em parte, da Polícia Judiciária.) Assim, pode ser verdade, por exemplo, como se disse ontem na RTP, que Gordon Brown, o Primeiro-Ministro britânico, seja amigo, e até colega de escola, de Gary McCann, mas eu nunca vi nada disto referido em jornais britânicos. Pode ser verdade que o Papa considere ter sido utilizado pelos McCann, mas deduzir isto do facto de terem sido retiradas as referências ao caso no site do Vaticano (acompanhado da frase sibilina que, nestas coisas, a Igreja está sempre bem informada) parece-me demasiado ligeiro. E pode ser verdade que a nossa polícia seja a melhor do mundo e que tenhamos considerado insultuoso o tratamento que mereceu por parte da imprensa britânica, mas isso não é razão para concluir desde já pela culpabilidade dos pais de Madeleine.

É evidente que é impossível mas devíamos calar-nos todos por uns tempos. Há alturas em que o silêncio é mais indispensável do que nunca. Este clima de diz-se/diz-se, estas constantes entrevistas a auto-designados peritos em investigação, em psicologia forense, em genética, estas hipóteses que qualquer locutor ou repórter de televisão não se coíbe de alinhar diante das câmaras, não servem ninguém e contribuem para o clima mórbido e malsão que tem ultimamente orientado as investigações. Pela minha parte, prometo nada mais dizer até que se tenha a certeza ou, pelo menos, indícios sólidos, do que efectivamente aconteceu.

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Concordo cem por cento com a sua análise. Calem-se, deixem a policia e a justiça fazerem o seu trabalho com serenidade. Parem de abrir os noticiarios com informaçoes bombasticas, que distraem os portugueses de um contexto social e economico lamentavel. Enquanto se fala desta familia devastada pela dor e pela injuria, nao se fala do que importa realmente ao nosso País.

14 setembro, 2007 14:44  

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