quinta-feira, 10 de julho de 2008

O G8 e a fome no mundo

Segundo informa o Diário de Notícias, na sua edição on-line de hoje, os chefes de Estado e de governo e os representantes das principais organizações internacionais (ONU e União Europeia, por exemplo, com Ban Ki-moon e os nossos Barroso e Solana) que participaram, no Japão, na reunião das oito economias mais industrializadas do mundo (G8), causaram «espanto e repúdio na opinião pública internacional, após ter sido divulgada aos órgãos de comunicação social a ementa dos seus almoços de trabalho e jantares de gala». Com efeito, numa cimeira dedicada, em parte, à crise alimentar mundial (que pode causar a morte de milhões de pessoas vivendo com 1 dólar ou menos por dia e põe em risco a saúde e qualidade de vida de muitos outros milhões que dispõem de rendimentos pouco acima daquele limiar), «reunidos sob o signo dos altos preços dos bens alimentares nos países desenvolvidos bem como da escassez de comida nos países mais pobres», aquelas sublimes criaturas «não se inibiram de experimentar 24 pratos, incluindo entradas e sobremesas, num jantar que terá custado, por cabeça, a módica quantia de 300 euros.»

Trufas pretas, caranguejos gigantes, cordeiro assado com cogumelos, bolbos de lírio de Inverno, supremos de galinha com espuma de raiz de beterraba e uma selecção de queijos acompanhados de mel e amêndoas caramelizadas – eis alguns dos pratos à disposição dos líderes mundiais. Quanto aos vinhos, foram cinco no total, entre os quais um Château-Grillet 2005, cuja garrafa custa cerca de 70 euros. Não contentes com isto – ou talvez com uma petite faim mesmo depois de tais excessos – ainda essa gente se alambazou com champanhe, salmão fumado, bifes de vaca de Quioto e espargos brancos, numa orgia digna dos talentos descritivos de Rabelais. A preparar as refeições estiveram 25 cozinheiros japoneses e estrangeiros, entre os quais alguns dos galardoados com as três estrelas do Guia Michelin.

Segundo a imprensa britânica, o «decoro» dos líderes do G8 levou-os a não convidarem para o jantar alguns dos participantes nas reuniões sobre as questões alimentares, como sejam os representantes da Etiópia, Tanzânia ou Senegal. O que é lamentável porque seriam estes, normalmente, os que mais se regalariam com uma ementa a que poderiam não estar habituados (se bem que, por exemplo, José Eduardo dos Santos, o Presidente duma Angola esfaimada, seja um dos homens mais ricos do mundo e não costume comer em tabernas ou restaurantes baratos).

Ainda de acordo com o «Diário de Notícias», foram os jornais e as televisões inglesas que estiveram na linha da frente da divulgação do serviço de mesa e das reacções concomitantes. Dominic Nutt, da organização «Britain Save the Children», referiu que "é bastante hipócrita que os líderes do G8 não tenham resistido a um festim destes numa altura em que existe uma crise alimentar e milhões de pessoas não conseguem sequer uma refeição decente por dia". Os conservadores ingleses, na oposição, também se emocionaram; mas é difícil acreditar em que David Cameron, o chefe dos tories, venha a desempenhar o papel de Robin dos Bosques quando (e se) chegar ao poder.

Sempre fui contra este tipo de cimeiras em que estas personagens se encontram em mangas de camisa ou sem gravata (história de parecerem todos amiguinhos e despreocupados) e plantam árvores, colocam primeiras pedras em edifícios que nunca verão e, sobretudo, posam para as chamadas fotos de família. Por favor, tratem dos assuntos por telefone ou vídeo-conferência, em encontros bilaterais ou através dos canais diplomáticos normais. Esta cimeira custou um total de 358 milhões de euros, o suficiente para comprar 100 milhões de mosquiteiros que ajudam a impedir a propagação da malária em África ou tratar quatro milhões de doentes com sida. Só o centro de imprensa, construído propositadamente para a ocasião, custou 30 milhões de euros. Há, de certeza, no mundo de hoje, melhores maneiras de utilizar somas como estas. Deixem de nos incomodar com este desperdício de dinheiros e com este exibicionismo de novos-ricos. Um pouco de decoro – é só isso que se lhes pede!