sábado, 30 de maio de 2009

Pacheco Pereira - Comparação indecente

Devo confessar que não gosto de José Sócrates. Tudo nele me irrita: a sua inabalável convicção de ter sempre razão, a evidente arrogância da sua postura pública (foi por isso que escoilhi esta fotografia para acompanhar este artigo), a sua forma polida e pretensiosa de falar, que me lembra, mal ou bem, os jesuítas ou o seminário, e principalmente a sua política que me parece não atender, como devia, às necessidades dos mais desfavorecidos e à crescente desesperança de uma parte significativa da população. (Esta mania, iniciada por Tony Blair, de apoio aos ricos e de passar as férias com eles – com a justificação de que são eles, como empresários, que fomentam a inovação e o desenvolvimento, o que, pelo menos no caso de Portugal, é uma brincadeira de mau gosto: limitam-se a aproveitar os subsídios de Estado magnanimamente concedidos – é uma pecha da maioria dos partidos socialistas ocidentais). E, principalmente, penso que Sócrates, com uma grande parte de cobardia política, nomeadamente em matéria dos chamados «assuntos de sociedade» (paridade, casamento entre homossexuais, esta última ideia de limitar a imigração para resolver o problema do desemprego, etc.), com a sua manifesta incapacidade de dialogar e de atender às solicitações da sociedade civil, e com a sua adesão a um modelo económico assente numa espécie de liberalismo mentiroso que, entre nós, se baseia essencialmente no apoio do Estado a um conjunto de grandes grupos económicos, leva a social democracia portuguesa (reconheço que a situação é parecida noutros países europeus!) a um beco sem saída.

Mas há limites para o ataque pessoal. Assim, quando, a propósito de Dias Loureiro, Pacheco Pereira acrescenta o seguinte parênteses à sua crónica de hoje no Público, julgo que devia cobrir a sua cara de vergonha:

(Acresce, numa nota a propósito, que me custa ver a duplicidade com que alguns vociferam contra Dias Loureiro e esquecem que muitos dos seus argumentos se aplicam a José Sócrates. Também aqui há múltiplas responsabilidades, já apuradas, que nada têm a ver com a investigação de corrupção, e que nos deviam preocupar. Colocam-se no mesmo terreno de uma ética pública. Noutros países, que se tomam mais a sério, a presença de familiares aproveitando-se do nome de um governante, com o seu parcial conhecimento, tem-nos levado a demitir-se. Noutros países, que se tomam mais a sério, o não cumprimento de regras mínimas de procedimento de um governante, como a não comunicação ao Ministério Público de uma tentativa de corrupção que lhe foi relatada pelo tio, também implicaria responsabilidade individual. Etc., etc. Tudo não é o mesmo, mas quem abre muito a boca nuns casos arrisca-se a fazer a cama a outros, mesmo que não o deseje.)

Não há, com efeito, nenhuma comparação entre a situação de Sócrates no caso Freeport e a de Dias Loureiro relativamente ao BPN. Nem sequer Manuela Ferreira Leite, nem sequer José Manuel Fernandes, se atreveram a pedir a demissão do Primeiro-Ministro. Pelo contrário, é certo que muita gente no próprio PSD acolheu com alívio a demissão de Dias Loureiro e o Director do Público reclamou-a em editorial particularmente severo. Nada do que Pacheco Pereira diz a respeito de Sócrates está provado ou é sequer convincente. Ele fala de um eventual conhecimento «parcial», de uma não comunicação de tentativas de corrupção ao Ministério Público – como se tudo isso tivesse alguma mínima sustentação nos elementos que até agora conhecemos. Como disse uma vez Rui Tavares, relativamente ao caso Freeport, eu gostaria que o Primeiro-Ministro de Portugal não fosse culpado; mas que, se o for, aquilo que quero é que a justiça siga o seu curso com independência total. Reconheço que a actuação de Sócrates, nesta matéria, não foi sempre isenta de erros. Mas isso foi, sobretudo, porque considerou esta investigação como um ataque com origem em pretensas forças ocultas, em vez de uma actuação normal das autoridades judiciais dum país civilizado face a suspeitas possíveis, e porque decidiu reagir através de processos instaurados contra jornalistas, numa atitude que pode pôr em causa a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa. Mas é tudo!

Dias Loureiro foi obrigado a demitir-se, tarde e a más horas, porque o conjunto de revelações sobre as suas atitudes tornaram a sua posição insustentável. Sócrates não está na mesma situação. Tentar confundir os dois casos é, pura e simplesmente, indecente.