quinta-feira, 9 de julho de 2009

Amália e o «francês» - Alain Oulman

Amália! Eu não sei se gosto do fado. Talvez não, certamente não como o meu Pai, que gostava sobretudo das canções de Lisboa, de Deolinda Rodrigues, de Maria Albertina e de Lucília do Carmo (quem se lembra delas, excepto de Lucília e só porque era a mãe de Carlos do Carmo), essas fadistas que cantavam no Faia, onde fui um, dois dias, em sua companhia. Amália, para o meu Pai, deixara de ser fadista quando se tornou demasiado intelectual...

Mas sei que gosto de Amália. Que considero que o seu canto era um dos mais magníficos, não só de Portugal (isso é evidente), como do mundo. A sua voz só era comparável às das grandes sopranos que nos deixaram interpretações das canções dos grandes clássicos (como Schubert, Wolf, Richard Strauss) - esta é, pelo menos, a opinião de Rui Vieira Nery, crítico musical, ex-Secretário de Estado da Cultura.

E o grande, o maior, responsável por esta transformação de Amália, de fadista lisboeta em grande artista clássica da canção e do mundo, foi, estranhamente, um francês, Alain Oulman, embora nascido em Portugal, em Oeiras (o que só descobri hoje), em 1926. A vida de Oulman passou-se sempre em Paris e foi Luís de Macedo, em 1962, que o apresentou a Amália. A sua mãe era uma Calmam-Lévy, da família da grande casa editorial francesa e, segundo uma notícia que li há algum tempo, exilou-se em Portugal na altura da guerra da Argélia depois de Raymond Aron ter dirigido a Salazar uma carta a pedir que ele fosse acolhido entre nós. Tudo coisas que tenho ainda que que confirmar.

Mas foi o «francês», como Amália o chamava, que compôs a música para os seus grandes fados, aqueles (de que o meu Pai não gostava) em que ela cantou os grandes poetas portugueses, de Luís de Camões a David Mourão-Ferreira, passando por José Régio e Ary dos Santos. Extraordinário: foi um «francês» que compôs os mais belos fados portugueses.

Deixo aqui, hoje, o Fado Português, com letra de José Régio e música de Alain Oulman. Outros virão.

Fado Português


O Fado nasceu um dia
quando o vento mal bulia
e o céu o mar prolongava
na amurada dum veleiro
no peito dum marinheiro
que, estando triste, cantava
que, estando triste, cantava

Ai, que lindeza tamanha
meu chão, meu monte, meu vale
de folhas, flores, frutas de oiro
vê se vês terras de Espanha
areias de Portugal
olhar ceguinho de choro.

Na boca dum marinheiro
do frágil barco veleiro
morrendo a canção magoada
diz o pungir dos desejos
do lábio a queimar de beijos
que beija o ar, e mais nada
que beija o ar, e mais nada

Mãe, adeus. Adeus, Maria.
Guarda bem no teu sentido
que aqui te faço uma jura
que ou te levo à sacristia,
ou foi Deus que foi servido
dar-me no mar sepultura.

Ora eis que embora outro dia
quando o vento mal bulia
e o céu o mar prolongava
à proa de outro veleiro
velava outro marinheiro
que, estando triste, cantava,
que, estando triste, cantava.

Ai, que lindeza tamanha
meu chão, meu monte, meu vale
de folhas, flores, frutas de oiro
vê se vês terras de Espanha
areias de Portugal
olhar ceguinho de choro.


Ouve-se aqui:
http://www.youtube.com/watch?v=1YriVM8sC7M&eurl=http%3A%2F%2Fvideo.google.fr%2Fvideosearch%3Fhl%3Dfr%26q%3Dam%25C3%25A1lia%2520fado%2520portugu%25C3%25AAs%26sourceid%3Dnavclient-ff%26rlz%3D1B3GGGL_frBE326BE326%26um&feature=player_embedded