terça-feira, 8 de setembro de 2009

Manuela Ferreira Leite e Alberto João Jardim

Manuela Ferreira Leite diz que não se sente, na Madeira, um clima de «asfixia democrática» como a que encontra no Continente. Salvo o devido respeito (que, como dizíamos na Faculdade de Direito, com assumida ironia, «é o máximo»), a chefe do PSD anda a brincar com o país.

Eu poderia multiplicar os exemplos. Deixem-me lembrar apenas um. Há cinco ou seis anos, apareceu num jornal madeirense a notícia de que um dos dezoito directores-gerais das secretarias regionais do governo de Jardim se preparava para apoiar o PS nas eleições que se seguiriam. Tanto bastou para que fosse organizada uma reunião de desagravo ao grande líder – e, evidentemente, nenhum dos funcionários presentes assumiu publicamente a posição contestada: todos lhe uraram eterna lealdade. Jardim, com o mesmo à-vontade que lançou esse simpático «fuck you» aos jornalistas que questionavam a utilização de um carro oficial para as deslocações de Manuela Ferreira Leite em campanha eleitoral na Madeira (verdade seja dita que a Presidente do PSD foi mais correcta e inteligente quando se pronunciou sobre este incidente menor - se bem que eu nunca imaginasse ouvir essas doces palavras tais palavras da boca da professora!), Jardim, este nosso caudilho lusitano, declarou, naquela altura, que qualquer dirigente da administração regional que apoiasse o partido da oposição seria posto na rua.

E não é só isto. Nenhuma empresa regional ou local de importância é dirigida senão por apaniguados do inefável Alberto João. A Madeira é um claro caso de ditadura baseada em voto pretensamente democrático. Jardim é um autocrata de pacotilha, mas um autocrata – considera-se chefe por direito divino ou por eficácia burocrática – oh, as famosas obras públicas – e acha que todos aqueles que discordam das sua opções ou opiniões são broncos, atrasados mentais ou anti-patriotas regionais (a ideia da Nação preocupa-o pouco!)

Um governo do PSD – ou do PS – que não se ocupe da forma como é gerida a Madeira (e, em certa medida, mas com menor arrogância, os Açores) não merece o voto de nenhum cidadão. Um Presidente da República que aceite este estado de coisas não cumpre os deveres do seu cargo (e não me refiro exclusivamente a Cavaco Silva; outros pactuaram; na minha opinião, quem menos o fez foi ainda Jorge Sampaio).

A Madeira é, enfim, uma espécie de Venezuela, só que com menos importância internacional. Mas tem importância nacional. Ferreira Leite desqualifica-se ao dar a entender que considera o que por lá se passa como o exercício normal de uma democracia. E contradiz-se: que eu saiba, Sócrates também foi eleito com o voto maioritário dos cidadãos. E nisto, tenho a certeza de ter razão. Até o Sobe e Desce do Público parece estar de acordo comigo.

Não há nenhuma comparação entre a asfixia democrática que se sente na Madeira e a que Ferreira Leite entende que exista no Continente, mesmo se este Continente tem José Sócrates como Primeiro-Ministro. Isto não quer dizer que a Madeira não tenha evoluído, económica e socialmente, durante o longo governo de Jardim. Eu conheci esta região há trinta anos: e não há comparação entre a pobreza que então existia, as estradas que nos faziam andar a 20 quilómetros por hora de média, a falta de futuro para todos comparada com a sua actual pujança económica. Mas Portugal também evoluiu sob governos socialistas e, mesmo, sob o governo de Sócrates. E, sobretudo, a eficácia económica não justifica todos os meios. Nem sequer é garantai de sucesso: o fontismo não conseguiu aguentar a Monarquia.

Em Portugal, hoje, o que perdemos foi a noção de uma democracia em que os adversários se respeitavam mesmo quando defendiam posições diferentes. O que perdemos foi o tempo de Soares e Sá-Carneiro; ou mesmo esse, mais recente, de Guterres e Rebelo de Sousa. Disso têm culpa Sócrates e Ferreira Leite: ambos, e nas mesmas proporções.

O que perdemos foi o espaço de diálogo democrático. A discussão de ideias, de programas, de projectos. O que perdemos foi a possibilidade de falarmos...


PS Peço desculpa por ter recorrido a uma caricatura para ilustrar esta artigo. Mão era a minha intenção porque acho que as coisas de que trato aqui são suficientemente sérias. Mas a verdade é que não consegui encontrar, na estratosfera, uma só fotografia de Ferreira Leite e João Jardim lado a lado, falando cordata e coloquialmente. Será que não se querem ver juntos? O leitor que decida!