Eugénio de Andrade sobre Jorge de Sena
Peguei por acaso numa antologia da obra de Eugénio de Andrade «Poesia e Prosa», publicada em 1990, e encontrei lá este texto sobre Jorge de Sena, retirado de «Os Afluentes do Silêncio» (título belíssimo como quase todos os títulos das obras de Eugénio de Andrade!)
«Nota Breve sobre Jorge de Sena
Não sei o lugar que Jorge de Sena ocupa nas letras portuguesas, nem é isso questão que me preocupe. Sei, sim, o lugar que ele ocupa no meu espírito e no meu coração; isso me basta. E aí, o lugar dele, há já longos anos, é muito alto. Reconhecer em Jorge de Sena um dos homens mais lúcidos e inquietos e brilhantes do nosso tempo – como já tem sido dito – é uma maneira cómoda de arrumar alguém que escolheu a incomodidade, sem nenhuma inocência ou ilusão, como modo de existir e pensar por conta própria. Se muitos dos seus contos ou ensaios ou escritos ocasionais provam, sem dúvida, o que se diz, tais páginas não ocultam também o admirável poeta que Jorge de Sena é. À sua finura crítica, ou à vasta cultura, ou à inteligência das suas interpretações, todos lhe devemos alguma coisa, mas é o surdo rumor do seu canto, tão cioso de nada excluir, que mais me prende e perturba. E, contudo, o que em Jorge de Sena mais tem sido diminuído ou apoucado é justamente a sua poesia, essa poesia que tão dificilmente tem feito caminho, por ser das mais densas e complexas que entre nós se escreveu de Fernando Pessoa para cá. A mim se me revelou ela de chofre, leitor seu desatento que fui até então, numa noite em que me leu As Evidências. (Lembrar-me-á o poeta, mais tarde, que o livro me deve «a letra de forma».) À densidade e complexidade, que lhe dificultam o acesso, deverá acrescentar-se aquela «espécie de rudeza» que Matias Aires, numa epígrafe de Fidelidade, diz que «a arte leva consigo». Isto bastaria para fazer de Jorge de Sena um poeta difícil, como se diz, se não houvesse ainda a sua truculência barroca, o seu amor pelos clássicos, o seu gosto pelos modernos, o seu interesse pelo ocultismo, a sua simpatia pelo existencialismo, a sua polémica com o farisaísmo, a sua nostalgia do catolicismo, o seu exaltado paganismo, etc., etc., e muito disto, quanta vez, a puxar por si ao mesmo tempo, como os fios de oiro do Sá-Carneiro. E, contudo, uma tal poesia está na grande tradição do nosso «lirismo especulativo» que de Sá de Miranda chega a Pascoaes e Pessoa – linha esta de que Sena é continuador, sem a menor dúvida. Dir-se-á que se lêem mal os clássicos, como se tem lido mal Jorge de Sena... É então tempo de os relermos a todos, clássicos e modernos, e verificarmos como, de uns aos outros, a música de cada um se repercute e acrescenta, e dá sentido e medida à nossa própria música»
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