segunda-feira, 15 de maio de 2006

Foz do Arelho



Esta é a minha praia, e como aqui se vê, ao pôr-do-sol, naqueles fins de tarde em que nos deixávamos ficar, deitados na areia, até vir a escuridão, o frio e a humidade.

A Mãe adorava o mar da Foz e, por vezes, pedia‑me que a trouxesse até aqui. Parávamos normalmente lá em baixo, nos cafés que apareceram nos últimos anos, ao longo da estrada que atinge a praia pelo lado da Lagoa e que não existia no meu tempo. Durante uma hora ou duas, conversávamos, sentados em cadeiras de madeira que se guardam no Inverno, diante do areal, e daquele mar, simultaneamente verde e azul, e verde-claro e azul-escuro, e por momentos quase castanho, e debruado a branco pela espuma das ondas que rebentam ao longe e se aproximam da terra, a rastejar, perdendo a pouco e pouco a força e engrossando a areia na sua passagem. Conhecíamos inúmeras histórias de gente que morreu no mar, por desleixo, ignorância ou temeridade sem sentido. Lá em casa contava‑se que, uma vez, o meu Pai se viu obrigado a deixar fugir (e deixar morrer) um homem que se aventurara para além do limite das ondas. O Pai ainda tentou salvá-lo mas teve que desprender-se dele porque sentiu que seriam ambos levados para o largo, onde nenhum resistiria. Não sei se a história é autêntica – não fui à praia no dia em que dizem que aconteceu – mas é daquelas histórias que, reais ou imaginárias, se incrustam na memória das famílias e se tornam, de certo modo, verdadeiras com a passagem do tempo e à força de serem repetidas.

A Mãe era uma excelente ouvinte e, por isso, essas conversas que tínhamos assemelham‑se, na minha memória, a longos monólogos recitados diante do mar; e acho que o seu olhar reflectia os meus desejos e as minhas ansiedades, acolhia as minhas alegrias e, tantas vezes, deixava‑se fechar, como coberto por reposteiros de veludo escuro, perante as minhas tristezas. Pelo menos, é assim que quero recordar-me desses momentos raros em que, perto da praia e já longe da juventude, ainda éramos cúmplices.

O mar ainda lá está, as ondas são as mesmas, o areal enorme tem a cor de um amarelo claro, quase branco, que tinha quando eu me deitava nele. Há umas casas novas no outro lado da Lagoa, e uns cafés a mais deste lado. Mas, para mim, há uma pessoa a menos. E isso muda tudo.

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

A praia da nossa infancia, da nossa juventude. Todos temos a nossa, guardada na memoria dos afectos. A Costa Nova, por exemplo. Cada praia é diferente mas a beleza do mar é sempre a mesma.
A fotografia é linda. Da vontade de entrar devagarinho nas "salsas ondas do oceano". E mergulhar! Nao para se afundar e desaparecer lentamente, devastado pela tristeza e pela saudade. Mergulhar para de imediato emergir, ressuscitado pela agua salgada, gelada, e dizer bem alto,sim à Vida.

16 maio, 2006 17:57  

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