sábado, 27 de maio de 2006

Mobilidade Social - Europa e Estados Unidos















Mobilidade Social – Europa e América

O Economist não pode ser geralmente acusado de preferir a Europa aos Estados Unidos. Pelo contrário: tenho a certeza de que uma boa parte dos seus artigos se fixa como objectivo uma certa forma de «dizer mal da Europa» cujos alvos de eleição são o Estado Social Europeu (insustentável) e os mercados de trabalho dos países do Velho Continente (inflexíveis!)

Maior razão, assim, para meditar no artigo que foi publicado na sua última edição, sob o título sugestivo de «Snakes and ladders». Aí é dada conta de dois research papers recentemente publicados (ver autores e títulos no final) e dedicados ao estudo da mobilidade social – isto é, expressando a ideia em termos aproximados, da possibilidade de cada indivíduo melhorar o seu nível de vida e de fortuna em relação ao dos seus pais.

Habituámo-nos a encarar a América como a terra da oportunidade, em que os filhos de famílias pobres conseguiam, por uma mistura de trabalho, determinação e instinto, ultrapassar condições desfavoráveis e chegar a situações de bem-estar e riqueza. A mais importante conclusão deste estudo contraria este preconceito. Numa escala de 1 (nenhuma mobilidade social) a 0 (total mobilidade social), os países nórdicos atingem 0,2, a Grã-Bretanha, 0,36 e os Estados Unidos, apenas 0,54.

Mas é no que respeita, em particular, à mobilidade dos mais pobres que as conclusões deste estudo merecem maior atenção. Assim, nos países nórdicos, 75% das pessoas nascidas em famílias pertencentes à faixa populacional dos 20% mais pobres saíram dessa situação antes dos 40 anos; pelo contrário, na América, pouco mais de 50% o conseguiram. Dito de outra forma, um pobre nascido na Suécia tem uma possibilidade de quase 3 em 4 de ser menos pobre antes dos 40; na América, apenas uma possibilidade de 1 em 2.

A mobilidade social nas restantes faixas de rendimento não apresenta diferenças tão significativas, embora exista, ainda aí, uma ligeira vantagem europeia. Segundo os autores, isto permite explicar por que continuamos a acreditar no mito da América como a terra da riqueza adquirida (por oposição à riqueza herdada). Nas sociedades ocidentais desenvolvidas e para a classe média, existe de facto uma mobilidade social importante. E como é a classe média – e não os pobres – que fixa a agenda política (e como é a ela que se dirigem as sondagens, quer no que respeita aos resultados, quer no que respeita à recolha de dados), é fácil convencermo-nos de que essa mobilidade atinge todos os outros estratos sociais.

Há duas explicações para esta posição favorável da Europa. A primeira tem a ver com uma fiscalidade progressiva e um sistema de segurança social que, em conjunto, têm efeitos claramente redistributivos. Mas é o segundo aspecto, que justifica nomeadamente a diferença favorável aos países nórdicos em relação ao resto da Europa, que me parece mais notável. E esse é, simplesmente, a eficiência (e equidade) dos sistemas de educação. Com efeito, considerada isoladamente, a qualidade da educação e instrução é o mais importante factor de mobilidade social.

Era nestas coisas que devíamos reflectir em Portugal. Melhorar o sistema de educação devia ser o principal projecto nacional; não apenas em palavras (como a célebre «paixão pela Educação», de António Guterres), mas em factos, traduzindo-se em acções e medidas concretas com esse objectivo.

Estou longe de comungar na visão apocalíptica que nos é dada, do sistema educativo, pelos amigos de António Barreto, Filomena Mónica ou Fátima Bonifácio; muito longe de considerar que o que importa, em Portugal, é melhorar a educação da elite; e ainda mais longe de acreditar que tudo se resume a voltar aos bons tempos passados, quando havia alunos que sabiam grego e latim e nunca, mas nunca, faziam erros ortográficos. (O que, para além de ser mentira, era conseguido à custa de manter fora do sistema educativo a grande maioria da população.)

Mas as crianças e os adolescentes nascidos nas chamadas «famílias difíceis» e que vivem em não menos eufemísticos «bairros difíceis» (difíceis sobretudo para os que lá nascem e vivem!) têm pela frente um caminho incomparavelmente mais árduo do que as que nascem, já não digo na Lapa, mas em algumas terras de província ou em Campo de Ourique ou Alvalade. Isso é que devia envergonhar-nos. Muito mais do que não termos empresas «de ponta» ou «inovadoras» e, por isso, acharmos que devemos gastar tanto dinheiro em subsídios à actividade económica, dinheiro esse bem necessário para atender aos problemas, esses sim reais, de uma grande parte da nossa população – e precisamente aquela que mais necessita de apoio (não digo, propositadamente: ajuda) para sair da espiral de miséria em que a colocámos.


O artigo no «Economist» encontra-se aqui:
http://www.economist.com/people/displaystory.cfm?story_id=E1_GJSNQRG&CFID=5431048&CFTOKEN=85946044

E estes são os artigos de que lá se fala:
Non-linearities in Inter-generational Earnings Mobility” (Royal Economics Society, London)
http://www2.warwick.ac.uk/fac/soc/economics/staff/faculty/naylor/publications/intgenmobnonlinear.pdf
American Exceptionalism in a New Light” (Institute for the Study of Labour, Bonn)
http://ideas.repec.org/p/iza/izadps/dp1938.html
Ambos os estudos de são de Bernt Bratsberg, Knut Roed, Oddbjorn Raaum, Robin Naylor, Markus Jantti, Tor Eriksson, Eva Osterbacka e Anders Bjorklund.