Falar do que não se sabe - Santana Lopes e Hermínia Silva
O que mais me irrita em Santana Lopes (para além do penteado!), é a total falta de rigor que demonstra mesmo nas coisas mais simples.
Vem isto a propósito duma notícia no Público de hoje. Segundo o jornal, Santana Lopes teria rematado a sua intervenção na reunião do grupo parlamentar com uma directa (sic) a Pacheco Pereira que, na véspera, o desafiara a aliar-se a Paulo Portas para formar um novo partido. Disse Santana: «Havia um fado célebre da Hermínia Silva que tinha uma estrofe permanente que era "Anda, Pacheco!" Em matéria de partidos, podia haver uma "Desanda Pacheco!"»
Se os membros do grupo parlamentar do PSD se riem com graças destas, é lá com eles. Para quem não saiba (e muita gente já não saberá - para esses aqui fica uma fotografia sua, com o cabelo pintado como sempre usava mesmo aos oitenta anos), Hermínia Silva foi considerada durante anos como a segunda fadista portuguesa, só superada por Amália. (Havia quem até costumasse dizer que ela era mesmo melhor que Amália mas, com todo o respeito, essas pessoas não percebiam nada de canto.) Hermínia conseguiu um enorme sucesso alicerçado numa certa forma brejeira de cantar o fado - e não estou a negar a qualidade da sua voz. Em palco, Hermínia demonstrava simpatia e naturalidade e essa era a chave do seu sucesso junto do público popular que aliás gostava imenso dela.
Mas a verdade é que "Anda Pacheco!" não é estrofe de fado nenhum. Pacheco era simplesmente um dos guitarristas de Hermínia (acompanhava-a sempre que a vi cantar, numa altura em que o fado me interessava bastante mais do que me interessa agora) e a fadista incitava-o, lançando-lhe em tom de gozo esse "Anda Pacheco!" Com o tempo (e, sejamos sinceros, com o desgaste da sua voz), essa brincadeira transformou-se numa espécie de ex-libris de Hermínia, a que ela passou a recorrer em todos os seus espectáculos, como forma segura de provocar o riso dos espectadores que acolhiam a velha piada com a cumplicidade com que se aceitam as manias inofensivas duma velha amiga. "Anda Pacheco!" A frase pontuava os fados que Hermínia cantava, pelo menos a partir do quinto ou sexto e principalmente quando tinha bebido uns copos e estava com um grão na asa - o que, ao que parece, era frequente e nem por isso lhe afectava decisivamente a voz.
Nada disto tem imnportância, dir-me-ão. De acordo! Mas serve para recordar que, nem mesmo em coisas de somenos, Santana Lopes consegue falar sem baralhar os pormenores. Para quando uma nova referência aos Concertos para Violino de Chopin?
1 Comments:
Genial, este paralelismo entre o Santana e a nossa Herminia Nacional!
Gosto da referencia ao penteado do primeiro e a evocaçao da farta cabeleira pintada negra azeviche da segunda.
Além da argolada do politico sobre os concertos para violino do Chopin! Artigo bem ironico e "bem esgalhado" como diria a tal fadista portuguesa.
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