Sim à Europa
Não me via a escrever neste blogue sem falar do quinquagésimo aniversário do Tratado de Roma. A maior parte dos comentadores evocam a situação de crise em que a Europa se encontra mergulhada: crise das instituições, crise de modelo económico e social, crise de confiança, crise de identidade.
Estou de acordo. Estamos em crise. O alargamento (justo e inevitável) levou a que se encontrassem, no convés deste barco, pelo menos duas concepções diferentes do projecto europeu. Uma que, fiel aos pioneiros, define claramente como objectivo a união política: dentro desta concepção, contudo, cabem várias correntes, desde os federalistas puros e duros, com as suas propostas de maior integração, de alargamento do euro e de reforço dos poderes do Parlamento Europeu, a tendências mais moderadas que se fixam como finalidade a união mas aceitam uma grande flexibilidade nos meios, como a Europa a duas (ou mais) velocidades – um pouco à imagem de Monnet e Schumann, para quem a Europa se construiria paulatinamente, à medida que se tecessem entre os europeus solidariedades progressivas. Uma segunda, porém, para quem a União Europeia se resume a uma forma de organização, principalmente económica, que tem consequentemente uma obrigação de resultado. É nesta última corrente que se insere o actual Presidente da Comissão Europeia, como prova a iniciativa principal do seu mandato: a revisão da estratégia de Lisboa no sentido de a concentrar nos seus aspectos mais imediatamente «result oriented», como sejam o crescimento e emprego.
Mas a crise (real, difícil) não devia fazer-nos esquecer as realizações desta Europa que temos. A minha geração já não viveu as guerras europeias; a geração dos nossos pais, que desaparece, é a última que ainda guardava a memória vivida da carnificina de 1939-1945 e, em Portugal, nem mesmo essa geração a sofreu. Por isso, temos tendência a considerar displicentemente este longuíssimo período de paz nos assuntos internos europeus. Mas a verdade é que ele não tem paralelo histórico: nem mesmo o «pacífico» século XIX dispôs de paz tão prolongada. Pensada para assegurar a reconciliação franco-alemã, a Europa unida cumpriu magnificamente o seu propósito inicial: hoje, é difícil imaginar uma guerra intra europeia. A principal vantagem do método europeu é que nos abre a porta para formas diferentes (quase jurisdicionais) de resolução de conflitos. Um método que, aliás, o resto do mundo, e os Estados Unidos em particular, teria interesse em estudar e aplicar.
Ao mesmo tempo, não devemos esquecer o extraordinário progresso económico que o projecto europeu sustentou. Há quem diga que ele não se deveu principalmente à União Europeia: que a Europa, fosse qual fosse a sua estrutura institucional, teria sempre chegado a níveis de prosperidade próximos dos actuais. Permito-me discordar. Não só o comércio intra europeu atingiu níveis nunca conseguidos em qualquer outra forma de organização política ou económica como esta prosperidade de que gozamos actualmente foi, com a União Europeia, atingida da forma menos dolorosa possível. Não existiram, por assim dizer, custos de crescimento – ou eles foram claramente minimizados pela organização institucional e pela solidariedade europeia. Pense-se no caso dos que, como Portugal, aderiram ao projecto quando este já se encontrava em andamento: e comparem-se os custos da transformação económica do país (mesmo se insuficiente, desigual, ineficaz, como afirmam alguns) com os custos dessa transformação se tivéssemos estado fora da Europa: e dando já de barato que teria existido transformação.
Assim os homens políticos que se reuniram em Berlim durante o fim-de-semana teriam, se pensassem a sério nessas coisas, um problema a resolver: como corresponder a um passado de que deveriam orgulhar-se. Passamos um momento em que se acumulam dúvidas, incertezas, hesitações, perplexidades, sobre o projecto europeu; mas temos já razões de sobra de contentamento, regozijo e natural vaidade pelo nosso passado recente. Pudessem as novas gerações ter o que nós tivemos. Seria já enorme; porque foi enorme o que se obteve em cinquenta anos. E, se há a natural tendência para concentrar os nossos discursos nas dificuldades presentes, parece-me que seria injusto esquecer o muito que, juntos, conseguimos fazer.
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