quinta-feira, 24 de julho de 2008

Jack Lang e a revisão constitucional em França

Eu nem sequer gosto muito de Jack Lang, antigo ministro de François Mitterrand, e já não gostava dele quando toda a esquerda bem pensante o considerava como o melhor Ministro da Cultura da França de sempre ou, quando a modéstia fazia valer alguns dos seus direitos, pelo menos o melhor depois de André Malraux. Mas tenho bastante simpatia pela atitude que tomou anteontem ao votar favoravelmente o projecto de reforma constitucional apresentado por Nicolas (Bruni) Sarkozy, de quem, como é sabido, não gosto mesmo nada.

Jack Lang foi violentamente atacado pelas luminárias do seu partido (que se têm especializado em ganhar as eleições pouco importantes e em perder as que realmente contam). Ségolène Royal (de quem também nunca gostei) chamou-o traidor e falou duma espécie de honra perdida, para além de garantir que, no novo Partido Socialista (isto é, o que ela se propõe dirigir, no caso pouco provável mas longe de impossível, de ganhar o próximo congresso), não haveria lugar para este tipo de atitudes. Se eu fosse francês e socialista, gostaria de perguntar a Ségolène Royal se a punição de Jack Lang constituiria, de perto ou de longe, uma vantagem eleitoral ou de princípios para o PS. Dada a sua popularidade e independência, atrever-me-ia a dizer que não... Mas não me parece que ela esteja interessada na minha opinião.

O voto de Lang, que, aliás, nem foi determinante, ao contrário do que diziam as primeiras notícias, para a aprovação da reforma (o empate de votos significava aprovação), tinha sido anunciado previamente. Sem negar alguns defeitos das propostas finalmente votadas, e nomeadamente, o da manutenção do modo arcaico e claramente oligárquico da designação dos membros do Senado, Lang considerou que estas consagram alguns avanços essenciais desde sempre defendidos pelo Partido Socialista, entre os quais o reforço dos poderes do Parlamento que, em particular, será chamado a pronunciar-se sobre as nomeações de altos funcionários e dirigentes de empresas públicas (e a reforma consagra ainda um outro conjunto de normas que fortificam os poderes de controlo e fiscalização da Assembleia).

Em matéria de Constituição, a obediência à linha do partido (com toda as conotações leninistas ou estalinistas que esta atitude comporta) tem pouca importância, principalmente quando, como era o caso, o voto negativo do PS nada tinha a ver com o conteúdo da revisão mas simplesmente com a vontade de negar uma vitória política a Sarkozy. Trata-se, afinal, de definir o modo de funcionamento da democracia francesa e este não deve estar dependente de considerações tácticas de fraca qualidade. Quatro outro deputados socialistas vieram a público dizer que tinham votado contra a reforma apenas por motivos de disciplina partidária mas que concordavam com as propostas apresentadas e consideravam disparatada a estratégia do partido. Isto parece-me cobardia – ou,pelo menos, lealdade mal compreendida.

Por mim, prefiro – mas é a meu jeito de sempre – os que não têm medo de remar contra a maré. Normalmente, vem a revelar-se mais tarde, quando os espíritos acalmam, que têm razão. E sempre lhes fica a coragem da atitude...